Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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DeSantis coloca minorias umas contra as outras como estratégia de poder

Governador conservador da Flórida explora sentimentos homofóbicos e xenofóbicos entre grupos explorados

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Tallahassee

Os participantes da passeata seguiram a passo acelerado pelas ruas ladeadas de carvalhos antigos cobertos de musgo, que traíam a passagem mesmo da brisa mais leve.

Em dado momento eles gritaram em coro: "O que você faz quando a história negra é atacada? Se levanta e resiste." Em outro momento as palavras de ordem eram "Hey, hey, ho, ho, Ron DeSantis has got to go" (Ron DeSantis tem que ir embora).

Os manifestantes estavam em Tallahassee para protestar contra a cruzada de DeSantis contra tudo que pode ser considerado "woke", conceito que seu próprio assessor jurídico chefe definiu como "a crença na existência de injustiças sistêmicas na sociedade americana e na necessidade de combatê-las".

O governador da Flórida, Ron DeSantis - Marco Bello - 7.nov.22/Reuters

Esta semana, Shevrin Jones, o primeiro senador estadual da Flórida negro e abertamente gay, me disse qual é sua teoria sobre o porquê de republicanos como DeSantis estarem degradando o termo "woke" e fazendo uso incorreto dele: "woke" seria "a nova N-word" (maneira pejorativa de se referir a negros).

A obsessão de DeSantis o levou primeiro a atacar a teoria crítica da raça e, agora, a impor restrições ao próprio ensino da história negra.

Assim, os manifestantes marcharam da Igreja Batista Missionária Bethel, onde um orador descreveu DeSantis como o "faraó da Flórida", até o Capitólio estadual, onde o reverendo Al Sharpton fez um discurso em tom de desafio, comentando com orgulho sobre a composição da multidão presente: pessoas de diferentes raças e gerações.

Era verdade, é claro, mas a multidão também era uma massa de rostos negros com alguns brancos salpicados no meio. E incluiu pessoas mais velhas do que já vi em qualquer outro protesto por justiça social que já cobri.

São esses fatores demográficos que ilustram um desafio enfrentado por aqueles que se opõem a DeSantis: numa cidade com uma pluralidade branca, e num estado em que três quartos da população se identifica como branca e há muito mais hispânicos que negros, até que ponto as coalizões entre grupos são profundas e fortes?

Sim, DeSantis está tentando atrair a base MAGA em sua tentativa abjeta de chegar à Presidência. Está tentando ser mais trumpiano que Trump, refinar a crueldade de Donald Trump de modo a ser mais eficaz e menos passível de ser acusado de crimes.

Sim, ele acena para a inveja da opressão sentida por conservadores brancos, que os leva a desejar o status protegido e os "benefícios" da condição de vítima sem o sofrimento decorrente de ser vítimas de fato. O que eles têm é uma espécie de narcisismo e gula cívica, uma ânsia de dominar o mercado dos privilégios.

E, sim, DeSantis lidera uma nova encarnação do movimento pelos direitos dos estados, algo que volta à tona periodicamente neste país como uma baleia que sobe à superfície do mar, desde a Crise de Anulação de 1832, que opôs a Carolina do Sul ao governo federal numa disputa sobre tarifas, até a própria Guerra Civil, chegando à ascensão das leis Jim Crow e ao movimento dos direitos civis que foi necessário para acabar com elas.

Mas há uma camada estratégica secundária que merece mais consideração: como DeSantis, intencionalmente ou por acaso, vem atacando grupos marginalizados em relação a questões sobre as quais os grupos marginalizados têm visões divergentes.

DeSantis está explorando os sentimentos antigay, anti-imigrantes e antinegros entre grupos que são eles próprios explorados, de modo que eles combatam uns aos outros —ou, pelo menos, que não lutem uns pelos outros—, em vez de investirem uma parte maior de sua energia em combater a ele.

Essa estratégia fartamente conhecida de dividir para conquistar é empregada na nossa política há séculos, e DeSantis infundiu nova vida a ela.

O Dr. Lisandro Pérez, fundador do Instituto de Pesquisas Cubanas da Universidade Internacional da Flórida e hoje professor no departamento de estudos latino-americanos e latinos do John Jay College of Criminal Justice, me explicou que em Miami a ideia de que afro-americanos e latinos pudessem formar uma coalizão foi abandonada muitos anos atrás, em parte porque os cubanos, de modo geral, não se veem como uma minoria marginalizada, mas possuem um etos de exilados que prioriza as questões de seu país de origem.

Como disse Pérez: "Acho que muitos eleitores cubanos são conservadores que provavelmente não veem com bons olhos coisas como os direitos das pessoas trans, estudos afro-americanos e tudo isso".

De fato, segundo pesquisas de boca de urna da eleição de 2022, os eleitores da Flórida de origem cubana preferiram DeSantis ao democrata Charlie Crist numa proporção de mais de 2 a 1. E, segundo pesquisa feita pela Universidade Internacional da Flórida em 2022 com cubano-americanos em Miami, cerca de 80% deles se identificam como brancos.

No ano passado, quando DeSantis, numa manobra política insensível, mandou imigrantes venezuelanos de avião do Texas para Martha’s Vinejard, uma pesquisa Telemundo/LX News constatou que metade dos eleitores hispânicos da Flórida aprovaram a iniciativa.

Na época, a estrategista democrata Helena Poleo, de Miami, venezuelana que vive nos EUA há 24 anos, disse à NBC News que alguns venezuelano-americanos foram a favor do esforço porque muitos deles estão nos EUA há muito tempo, são mais brancos e mais ricos que os recém-chegados e não se identificam com imigrantes pobres e de pele mais escura.

Quando entrevistei Poleo recentemente, ela me falou algo semelhante. Segundo ela, DeSantis "procura mobilizar um pequeno viés racista oculto e raramente comentado que existe no interior dos imigrantes, que é revoltante e que eles trazem de seus países de origem".

DeSantis também atacou a comunidade LGBT com sua lei "não diga gay", que limitou a discussão da sexualidade e da expressão de gênero em sala de aula. Usando mensagens que já viraram comuns no Partido Republicano, ele se fixou sobre a experiência trans, cross-dressing e artistas drag.

Essa é outra questão na qual ele pode explorar uma divergência.

Uma sondagem do Pew Research Center em maio constatou que, enquanto o restante do Partido Democrata modificou drasticamente sua visão da identidade, a maioria dos democratas negros ainda acreditam que o gênero é determinado pelo sexo no nascimento. Quarenta e quatro por cento dos democratas hispânicos concordam.

Em nossas conversas, Jones, o senador estadual negro que entrevistei, se mostrou desafiador. Disse que a passeata da quarta-feira foi um aviso enviado aos republicanos não apenas da Flórida, mas de todo o país. "A briga que vocês estão tentando comprar não é a briga que vocês querem", ele disse, falando dos republicanos. "Vocês estão pensando que estamos em 1963, mas estamos em 2023."

Mas, e se é exatamente essa a briga que DeSantis quer? Num clima conservador em que o que é antinegro foi redefinido como sendo pró-igualdade, o antigay como sendo pró-família e o anti-imigrante como pró-americano, a indignação que essa briga gerou só fez alimentar a ascensão do candidato.

Trump tentou essa estratégia de divisão na última eleição, com êxito desigual, e perdeu no esforço.

Mas será que uma modificação da mensagem e uma troca de mensageiro poderiam surtir efeito ainda maior? Poderia o experimento da Flórida ser ampliado para toda a nação? Poderia DeSantis empurrar essa estratégia para níveis que Trump não conseguiu, alterando a paisagem política e assinalando a chegada de uma era distópica para questões de diversidade?

Brandon Wolf, que foi projetado para o ativismo na Flórida depois de sobreviver ao massacre da boate Pulse, de Orlando, em 2016, me disse que estão emergindo coalizões efetivas para opor-se a DeSantis, mas admitiu que o governador é um adversário temível: "A estratégia de DeSantis procura nos dividir", comentou.

Ela alimenta uma narrativa de que "não estamos todos na mesma situação. Eles sabem que, se fosse possível mostrar a visão de como poderia ser o país, como poderia ser o mundo, se todos nos solidarizássemos uns com os outros, eles perderiam."

Se esses grupos não se unirem logo para resistir, podem acabar perdendo tudo. Por exemplo, como explicou Pérez quando estava falando dos conservadores cubanos, as políticas que estão sendo usadas hoje para limitar o ensino da história negra são amplas o suficiente para eliminarem o curso que ele criou na Universidade Internacional da Flórida: a história dos cubano-americanos. E outros estados já estão começando a imitar ou competir com o que DeSantis está fazendo na Flórida.

Faríamos bem em aprender essa lição ao nível nacional. O ataque é amplo: sexista, racista, xenofóbico e homofóbico. A única maneira de combatê-lo é juntos.

Sempre pensei em DeSantis como alguém um pouco estúpido, cego de ambição. Mas Frank M. Reid III, bispo do 11º distrito episcopal da Igreja Episcopal Metodista Africana em Jacksonville, Flórida, adverte contra avaliações simplistas como essa:

"Ele estudou em Yale. Estudou em Harvard. Não é um ‘caipira republicano’. Mas reconheceu que esse é seu caminho para o poder, e isso o torna perigoso. E ele exerce esse poder sem medo. Possui uma sabedoria perversa."

Tradução de Clara Allain

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