Republicano usa imigrantes como forma de pressão e envia aviões para ilha

Governador da Flórida leva ao paroxismo tática para protestar contra estrangeiros irregulares sob governo Biden

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Patricia Mazzei Remy Tumin Eliza Fawcett
Martha's Vineyard | The New York Times

Cerca de 50 imigrantes aterrissaram inesperadamente em Martha's Vineyard nesta quarta (14), segundo as autoridades locais. Eles foram enviados em dois aviões pelo governador da Flórida, Ron DeSantis, que levou ao paroxismo uma tática de líderes republicanos de remeter imigrantes para bastiões progressistas como Washington e Nova York em protesto contra o aumento da imigração ilegal na gestão Joe Biden.

O grupo, que incluía crianças, chegou sem aviso por volta das 15h do horário local, segundo o senador estadual de Massachusetts Julian Cyr. Ele afirma que agentes e voluntários das seis cidades da ilha "fizeram o impossível para pôr em marcha o mesmo plano usado em casos de furacão".

Imigrantes venezuelanos chegam a uma escola em Martha's Vineyard, ilha ao sul de Boston, Massachusetts, depois de serem enviados ao local pelo governador da Flórida - 14.set.22 - Ray Ewing/Vineyard Gazette/Reuters

À medida que os imigrantes recebiam testes de Covid-19, comida e roupas, houve confusão sobre quem os havia enviado a Martha's Vineyard, pequena ilha ao sul de Boston frequentada por ricos e poderosos. Os imigrantes disseram que tinham começado o dia em San Antonio, no Texas, mas foi o governador da Flórida que assumiu a responsabilidade pela ação.

Taryn M. Fenske, diretora de comunicações de DeSantis, declarou que os dois voos fazem parte de um programa estadual para imigrantes que transporta os que entram no país sem permissão legal até os chamados "destinos-santuários".

"Estados como Massachusetts, Nova York e Califórnia darão melhor atendimento a esses indivíduos que eles convidaram para nosso país", afirmou Fenske em um comunicado. Neste ano, o Legislativo da Flórida reservou US$ 12 milhões para o programa.

A ação de DeSantis foi duramente criticada pela Casa Branca, que acusou governadores republicanos de estarem usando imigrantes como "peões de um xadrez político". No início da semana, o também republicano Greg Abbott, do Texas, despachou dois ônibus com estrangeiros irregulares para um bairro de Washington não muito longe da residência oficial da vice-presidente, Kamala Harris.

Vários políticos democratas também disseram ter acionado autoridades federais para investigar os casos.

Um dos imigrantes recém-chegados a Martha's Vineyard se apresentou à Reuters como Luis, 27, e afirmou que vinha da Venezuela. Ele disse que ofereceram a ele e a nove parentes abrigo, apoio financeiro por 90 dias e ajuda para tirar documentos para trabalhar e aprender inglês. Eles ficaram surpresos quando o voo aterrissou em uma ilha.

Luis afirmou que as promessas foram feitas por uma mulher chamada Perla, que abordou sua família fora de um abrigo em San Antonio sem dizer o sobrenome ou dar qualquer tipo de identificação. Ela então pôs a família em um hotel e pediu que eles assinassem um termo de isenção de responsabilidade.

Ele contou que sente que foi enganado e teme o que pode acontecer. Outro venezuelano, que se identificou só como Leonel, afirmou em espanhol que a população foi generosa e lhe deu um par de sapatos. "Não durmo bem há três meses", diz ele, que não tem parentes ou amigos nos EUA. "Faz o mesmo tempo desde que vesti um novo par de calças ou sapatos."

O homem de 45 anos disse que três meses é o tempo desde que ele deixou o país natal e atravessou a região de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, antes de seguir para o norte. Sua primeira tentativa de cruzar a fronteira dos EUA falhou e na segunda, em Piedras Negras, no México, conseguiu atravessar o rio Grande.

Leonel passou vários dias detido antes de ser libertado em San Antonio, onde ele e outros imigrantes foram informados de que poderiam obter uma passagem para Massachusetts. Eles aceitaram. O governador de Massachusets, Charlie Baker, afirmou que o estado está avaliando a possibilidade de construir um abrigo temporário perto de Cape Cod.

A maior parte do grupo enviado por DeSantis parece ser formada por venezuelanos, segundo o deputado estadual Dylan Fernandes. Eles receberam atendimento básico de socorro em Martha's Vineyard antes de serem levados para a escola secundária regional e, depois, para a Igreja Episcopal de St. Andrew em Edgartown, antiga cidade baleeira que é a mais bem cuidada da ilha.

Mesmo as grandes cidades dos EUA têm dificuldade para receber imigrantes que chegam "com pouco ou nenhum aviso", afirmou o governador J.B. Pritzker, de Illinois, em nota. Ele lembrou os abrigos de emergência e os cuidados que precisou providenciar para 500 imigrantes que foram enviados de ônibus do Texas para Chicago há uma semana. "Enquanto outros estados podem estar tratando essas famílias vulneráveis como peões, aqui em Illinois os tratamos como pessoas."

O desafio enfrentado por Martha's Vineyard —que tem uma população fixa de 20 mil habitantes— pode ser ainda maior do que o de Chicago. O reverendo Chip Seadale disse que a Igreja de St. Andrew decidiu acolher os imigrantes durante a noite depois de saber que eles não tinham para onde ir. Um paroquiano o procurou, sabendo que a igreja abriga moradores de rua no inverno.

O único abrigo para sem-teto da ilha não funciona durante o verão e tem espaço para dez pessoas, com apenas um banheiro, segundo Barbara Rush, diretora de St. Andrew. "Cinquenta pessoas sem casa é um número esmagador para o tamanho da comunidade", afirma. "Mas essa é uma comunidade forte e capaz."

Conhecida como destino de verão de figuras influentes —Barack Obama e John Kerry têm casas lá—, a ilha enfrenta uma escassez de moradias acessíveis, com casas custando US$ 1 milhão em média. Além disso, os imigrantes estão chegando no final da temporada de verão, quando o trabalho sazonal terminou.

"Literalmente não há empregos no inverno e não há moradias acessíveis em Martha's Vineyard", diz Rush. Ela conta que grupos comunitários locais, igrejas e restaurantes estão contribuindo.

Entre os voluntários, estava Sergio Racig, gerente de imóveis que foi à igreja para servir de intérprete. "Alguns deles foram torturados pelo cartel mexicano —coisas muito ruins aconteceram com eles", diz, acrescentando que os imigrantes estavam felizes ao ver todo o apoio da ilha.

DeSantis, um republicano com ambições presidenciais, criticou repetidamente o governo federal por transportar imigrantes para a Flórida e ameaçou enviá-los para enclaves progressistas. Ele menciona frequentemente o estado natal de Biden, Delaware, como um possível destino.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves; com Reuters

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