Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Charles M. Blow

Acusações não encerram perigo de Trump para a democracia americana

Ex-presidente capitalizou vício dos americanos no culto às celebridades, e trumpismo se tornou entretenimento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

Donald Trump poderá ser indiciado –novamente.

Promotores lhe informaram que ele é alvo da investigação sobre o 6 de Janeiro e as tentativas de anular os resultados das eleições de 2020. Esta seria a terceira acusação criminal contra Trump, e elas vão crescendo —promotores da Geórgia avaliam outras denúncias.

O fato de Trump enfrentar alguma responsabilização por sua imprudência e crueldade, pela negação da Constituição e pelo aparente desprezo pela lei deveria parecer um compromisso dos EUA com a justiça.

Mas, então, por que parece tão anticlimático? Por que a sensação de mau presságio permanece?

O ex-presidente Donald Trump durante evento do Partido Republicano em Nevada, nos EUA
O ex-presidente Donald Trump durante evento do Partido Republicano em Nevada, nos EUA - Mario Tama - 8.jul.23/Getty Images via AFP

A sensação é essa porque não há garantia de que estamos chegando ao fim da era ameaçadora de Trump. Pelo contrário: há todos os indícios de que ele não pretende se dobrar e de que prefere destruir nossa democracia a prestar contas a ela. Os EUA passam por um teste de estresse extremo, e ninguém sabe realmente como será seu fim.

Existem os otimistas crônicos que sustentam a visão arrogante de que os EUA podem desafiar a história e não se submeter à ascensão e à queda de impérios. Eu não: reconheço a precariedade dos EUA. Vejo os pontos macios e carnudos em que uma faca poderia ser cravada. E não sou o único.

Para um grande número de americanos, porém, ouvir alguém dizer que nossa democracia está em perigo soa como um exagero, uma tentativa de influenciar a opinião pública. Eles duvidam que Trump mudará de maneira fundamental e permanente o que nosso país diz representar.

Mas Trump segue indicando que arruinar a democracia é exatamente o seu plano. Ainda nesta semana, o New York Times informou que, caso reeleito, ele pretende "remodelar a estrutura do Poder Executivo para concentrar uma autoridade muito maior em suas mãos".

E muitas pessoas que seguem e apoiam Trump sabem disso e apoiam com entusiasmo ou fecham os olhos. Alguns analistas afirmam ingenuamente que uma massa crítica de apoiadores de Trump poderia ser libertada do feitiço dele quando fosse confrontada com sua corrupção.

Eles deixam de reconhecer que Trump infectou a fé de seus seguidores. Eles não acreditam em nada mais e só acreditam nele. Eles queriam que seus preconceitos fossem confirmados, em vez de contestados, e Trump preencheu essa necessidade. Ele se tornou um símbolo, uma inspiração e uma aspiração. Tornou-se uma ideia, o que é muito mais perigoso do que um indivíduo.

Trump conseguiu isso capitalizando, num grau quase sem precedentes, o vício dos americanos no culto às celebridades. Ele não é o primeiro presidente a recrutar e empregar a celebridade: John F. Kennedy, Ronald Reagan, Bill Clinton e Barack Obama também o fizeram.

Mas cada um deles casou sua celebridade com a política; já Trump usou sua celebridade para perverter a política. Ele sentiu a fragilidade do sistema político; sua confiança excessiva em normas e decoro; e sua incapacidade de prever o caos –caos que ele usou como arma.

Trump reconheceu que, para muitos, a celebridade era mais poderosa do que o caráter ou o civismo. Nesse ambiente, o desejo de algumas pessoas de pertencer e ser afirmadas transcendeu a verdade. E nesse espaço ele podia ser o capitão do time, o líder da banda.

Para eles, o trumpismo tornou-se uma forma de entretenimento de identidade, um carnaval guiado por um empresário que mistura diversão com raiva, medo e ressentimento. É fácil para Trump afastar adversários que atraem mais a mente do que a alma.

Seu rival mais próximo para a indicação republicana é Ron DeSantis, cuja campanha está em dificuldades, enquanto os republicanos continuam apoiando Trump. DeSantis não tem magia —nunca teve. Ele é enfadonho e entediante, uma bravata de macho beta fazendo cosplay.

DeSantis pensou que sua mesquinhez provinciana escalaria para um nível nacional sem ajustes. Ele pensou que poderia derrubar o oráculo do MAGA (sigla para Make America Great Again, slogan da campanha de Trump) com seu histórico estadual. Mas Trump precisa da indicação mais do que DeSantis a quer. Para Trump, a reeleição seria a proteção mais eficaz contra processos e possível prisão.

Trump entende que o calendário político e o legal podem ser jogados um contra o outro. A menos que o país negue a reeleição dele –o que ainda é muito cedo para prever–, cortejará sua própria ruína.

Trump tem três coisas atuando a seu favor: o fato de que os sistemas de prestação de contas dos EUA ainda não se adaptaram às novidades que ele trouxe, um bando obstinado de apoiadores e o tempo.

O tempo talvez seja a mais importante das três, porque é a coisa que o próprio país já quase esgotou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.