Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow

Republicanos distorcem conceitos para suavizar nacionalismo branco

Políticos como Tommy Tuberville e Donald Trump querem converter fatos em uma questão de interpretação partidária

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The New York Times

Durante uma entrevista em maio, perguntaram ao senador republicano do Alabama Tommy Tuberville –que está atrasando centenas de promoções de oficiais por discordar de uma política do Departamento de Defesa que facilita o acesso ao aborto para militares– se nacionalistas brancos deveriam ser permitidos nas Forças Armadas.

Sua resposta: "Bom, é assim que os chamam. Eu os chamo de americanos".

O senador Tommy Tuberville fala com repórteres ao sair do Capitólio, em Washington - Evelyn Hockstein - 13.jul.23/Reuters

Foi uma tentativa de injetar a ideia de subjetividade partidária na definição do termo, uma divergência inócua de opiniões, uma variação cultural em como algo é visto e nomeado. Mas a definição de nacionalismo branco, uma expressão que vem de décadas, não está em discussão nem permite outra interpretação.

Tuberville dobrou a aposta em sua definição na noite de segunda-feira (10), na CNN, ao dizer: "Minha opinião de um nacionalista branco –se alguém quiser chamá-lo de nacionalista branco–, para mim, é um americano. É um americano. Agora, se aquele nacionalista branco é racista? Sou totalmente contra qualquer coisa que queira fazer, porque sou 110% contra o racismo".

Todos os "ses" e "opiniões" aqui são intencionais, mas desnecessários. Expressões como "nacionalista branco" significam algo: o nacionalismo branco é uma forma de supremacia branca que defende o domínio e o controle pelos brancos. Você não precisa acreditar na minha palavra, pode procurar. (Na terça, 11, Tuberville admitiu que nacionalistas brancos são racistas.)

Não é a primeira vez que um proeminente republicano tenta, particularmente no que diz respeito à raça, reduzir um fato a uma opinião –converter o absoluto em uma questão de interpretação partidária. Quando o fazem, engajam-se numa cruzada de alteração etimológica, de sequestro e adulteração do significado de palavras e frases.

Em 2018, Donald Trump proclamou com orgulho: "Sabe, tem uma palavra que se tornou meio antiquada. Chama-se ‘nacionalista’. E eu digo: 'Sério? Não devemos usar essa palavra?’ Você sabe o que eu sou? Eu sou um nacionalista. Ok? Eu sou um nacionalista".

Ele comparou ser um nacionalista com o que descreveu como uma tendência entre alguns democratas a apoiar "globalistas famintos por poder".

Embora não seja explícito, a branquitude é coincidente com o nacionalismo nessa construção, mas o nacionalismo é apresentado simplesmente como profundo patriotismo.

Em junho, Vivek Ramaswamy, que é indiano-americano e, como Trump, candidato à indicação presidencial republicana, deu sua própria visão desse tipo de ataque à linguagem, declarando-se um "nacionalista não branco".

Certamente, Trump e Ramaswamy diriam que seus comentários não têm nada a ver com raça –e que sugerir o contrário é, em si, racista. Nesse cozido de significados adulterados, porém, "nacionalista branco" se confunde com ser um patriota branco e permite que qualquer sugestão de racismo se torne uma calúnia lançada contra nacionalistas brancos sem motivo.

O racismo, para essa forma de pensar, só pode ser um ódio inequívoco e cru. Ao fazer esses jogos de palavras, eles estão separando seu desdém politicamente necessário pelos racistas declarados de uma calma e considerada condescendência à intolerância, uma aquiescência silenciosa a uma hierarquia racial –uma visão distorcida da história das contribuições raciais para a humanidade e do proclamado legado dos fundadores deste país.

Mas essa distinção não pode ser feita aqui. É uma lógica torturada e levará ao ridículo.

Na semana passada, Ryan Walters, superintendente de escolas públicas em Oklahoma, foi questionado sobre como se poderia ensinar aos alunos sobre o massacre racial de Tulsa em 1921 sem violar a proibição do estado de ensinar o que chama de teoria crítica da raça. Walters respondeu:

"Isso não significa que você não julgue as ações dos indivíduos. Você pode. Absolutamente, historicamente, você deve. 'Isso foi certo. Isso foi errado. Eles fizeram isso por esse motivo.’ Mas dizer que era inerente por causa de sua pele é o que eu digo que é a teoria crítica da raça. Você está dizendo que a raça define uma pessoa."

Seja claro: os racistas brancos atacaram e destruíram a comunidade negra em Tulsa chamada Greenwood District, também conhecida como Black Wall Street. E aquela comunidade foi atacada porque era negra.

Acho que o argumento de Walters, por mais frágil que seja, depende da palavra "inerente". E não, os brancos não são inerentemente terroristas ou racistas. Nenhuma pessoa é. Mas houve pessoas brancas que foram terroristas e racistas e causaram estragos e destruição neste país. De fato, houve um período em nosso país, certamente até a era Jim Crow, durante o qual muitos americanos brancos foram pelo menos aculturados para o terrorismo racial, ou participaram dele –alguém pode negar isso a respeito de uma multidão assassina atacando a próspera comunidade negra de Tulsa?

O racismo era pregado na igreja. O policiamento fazia parte do terror racial. Funcionários eleitos defenderam a resistência à igualdade racial. Pessoas vendiam e mandavam cartões postais de linchamentos.

E o nacionalismo branco tornou-se central para o poder branco e para a política branca. A ascensão e manutenção da segregação tinha raízes num impulso nacionalista branco. A crescente popularidade dos grupos de ódio hoje se deve em parte à adoção das ideias nacionalistas brancas pela corrente dominante.

Quando a Fox News demitiu Tucker Carlson, o Centro de Direito da Pobreza do Sul observou que ele havia "repetidamente oferecido uma plataforma para nacionalistas brancos" e "expressado queixas raciais marginais numa aparente tentativa de lhes dar maior relevância cultural".

Em novembro, Trump jantou em Mar-a-Lago com Kanye West, que agora usa o nome de Ye, quando o músico estava no meio de sua espiral antissemita, e Nick Fuentes, um comentarista online conhecido por sua retórica racista.

Esses políticos estão tentando usar uma noção distorcida de patriotismo e uma definição distorcida de nacionalismo para "limpar" os nacionalistas brancos e o nacionalismo branco. Essa é a realidade. E não posso mudar isso para acalmar as sensibilidades modernas de ninguém, assim como não posso mudar a cor do céu.

A supremacia branca, o nacionalismo branco e o terror branco foram fundamentais para a criação dos Estados Unidos. Esses fatos não mudam porque deixam alguns desconfortáveis ou outros com raiva. Ninguém tem o poder de mudar o passado.

Esse impulso atual de desejar que algo desapareça, de proibir livros, de pressionar professores, de alterar a linguagem, de turvar as águas, não é a resposta. É um insulto.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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