Descrição de chapéu The New York Times

Críticas a George Soros vão dos confins da internet ao centro da política

Transformado em vilão, bilionário é alvo da direita ultranacionalista nos EUA e na Europa

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Kenneth P. Vogel Scott Shane Patrick Kingsley
Washington | The New York Times

Horas depois de ser informado, na semana passada, que um artefato explosivo tinha sido entregue em sua residência em um subúrbio de Nova York, o bilionário investidor e doador democrata George Soros telefonou a colegas para discutir mais uma ameaça: a repressão movida pelo governo autoritário húngaro a uma universidade que ele fundou.

Outdoor em Busapeste da campanha que o governo húngaro fez contra George Soros
Outdoor em Busapeste da campanha que o governo húngaro fez contra George Soros - Lalo de Almeida - 13.jul.17/Folhapress

A tentativa de ataque  em Nova York –que se comprovou subsequentemente ter feito parte de uma onda de bombas improvisadas enviadas a críticos do presidente Donald Trump— não foi mencionada. Mas não foi coincidência o fato de Soros enfrentar oposição e ameaças intensas simultaneamente em dois países distantes milhares de quilômetros um do outro.

Uma rede frouxa de ativistas e figuras políticas da direita procura há anos retratar Soros não apenas como adversário político dotado de enormes recursos financeiros, mas também como a personificação de tudo que essas pessoas detestam.

Usando uma pouca disfarçada linguagem antissemita, essas figuras montaram um retrato distorcido de Soros como sendo o cérebro de um movimento dito “globalista”, um radical de esquerda que teria a intenção de solapar a ordem reinante e defenderia a diluição da natureza branca e cristã de suas sociedades, por meio da imigração.

Nesse processo, elas impeliram sua descrição de Soros, 88, dos confins escuros da internet e dos programas de bate-papo nas rádios para um lugar central na discussão política.

“Soros é vilipendiado porque ele é eficaz”, disse Steve Bannon, ex-estrategista de campanha de Donald Trump e assessor da Casa Branca. Hoje Bannon está tentando promover um movimento nacionalista coordenado na Europa e nos Estados Unidos, movimento esse que aspira explicitamente espelhar e combater a influência construída por Soros junto à esquerda.

“Espero que algum dia eu seja tão eficaz quanto Soros tem sido –e tão vilipendiado quanto ele”, disse Bannon, descrevendo os perigos como o da bomba improvisada como “o ingresso que precisa ser pago para poder brincar nessa arena”.

Nos últimos dias da corrida das eleições legislativas nos EUA, em que Soros investiu valores altos para eleger democratas, o bilionário vem sendo descrito –em tom acalorado, mas pouco plausível— como o financista da caravana de imigrantes, uma presença do Estado profundo na burocracia federal e a mão oculta por trás dos protestos contra o indicado de Trump à Suprema Corte.

Na Europa, o esforço para vilipendiá-lo tem sido ao mesmo tempo alimentado e atrelado por líderes nacionalistas como o premiê húngaro, Viktor Orbán, e políticos de países com passado comunista, como Macedônia, Albânia e Rússia.

“Ele é banqueiro, é judeu, ele doa a democratas –é uma espécie de alvo perfeito de difamação por parte da direita nos EUA e na Europa”, comentou o advogado de direitos humanos Michael Posner, ex-funcionário do Departamento de Estado na administração Obama.

Soros entregou US$ 32 bilhões (R$ 118 bilhões) à sua organização principal, a Open Society Foundations, para ser usados em esforços que a entidade descreve como construção da democracia nos Estados Unidos e no mundo. Além disso, nos Estados Unidos Soros deu pessoalmente mais de US$ 75 milhões (R$ 277 milhões) ao longo dos anos a candidatos federais e comitês.

A informação é da Comissão Federal das Eleições e registros do IRS (a Receita Federal americana).

Isso faz dele um dos maiores doadores identificados a campanhas políticas americanas na era moderna das finanças de campanhas. E esses valores não incluem os muitos milhões a mais que ele já destinou a entidades políticas sem fins lucrativos que não revelam quem são seus doadores.

Os gastos de Soros com políticos e políticas públicas nos EUA e no mundo parecem superar os de qualquer outro doador politicamente ativo.

A título de contraste, a rede de doadores conservadores liderada pelos irmãos industriais bilionários Charles e David Koch, que já foram alvos de críticas semelhantes de setores da esquerda americana, desembolsou US$ 2 bilhões (R$ 7,4 bilhões) nos últimos anos para promover políticas públicas e candidatos políticos.

Perfil em alta

Inicialmente Soros direcionou seu ativismo ao fomento das democracias que emergiram da dissolução da União Soviética. Mas à medida que ele se tornou um operador político mais tradicional nos Estados Unidos, conservadores intensificaram seus esforços para desacreditá-lo (e, por sua vez, usá-lo para desacreditar os candidatos e as causas que ele apoia), às vezes exagerando ou descrevendo enganosamente seu papel nas ações de grupos que ele ajuda a financiar, às vezes usando imagens vistas amplamente como sendo antissemitas.

O anúncio final da campanha de Trump em 2016 mostrava Soros –e também Janet Yellen, a então diretora do Federal Reserve, e Lloyd Blankfein, executivo-chefe do Goldman Sachs, ambos judeus— como exemplos dos chamados “interesses especiais globais” que teriam enriquecido às custas dos trabalhadores americanos.

Trump e seus aliados deram destaque ainda maior a Soros com a narrativa que construíram para as semanas finais da campanha das eleições legislativas de 2018. Eles atribuíram ao investidor papéis chaves tanto na ameaça que dizem ser representada pelos imigrantes da América Central que se encaminham à fronteira dos EUA quando no que descreveram como “turbas” democratas que protestaram contra a escolha de Brett Kavanaugh para integrar a Suprema Corte.

O Comitê Congressional Nacional Republicano publicou um anúncio noestado de Minnesota em outubro sugerindo que Soros, retratado sentado atrás de uma pilha de cédulas, financia desde “atletas prima-donas que protestam contra nosso hino nacional” quanto “turbas de esquerdistas pagos para provocar confusão nas ruas”.

O anúncio vincula George Soros a um candidato congressional local que trabalhou num think tank que já recebeu financiamento da Open Society Foundations.

Mesmo depois de as autoridades terem detido um partidário acalorado de Trump e o acusado de ter enviado as bombas caseiras a Soros e outros críticos, os republicanos não recuaram. O presidente sorriu na sexta-feira quando partidários seus na Casa Branca reagiram a seus ataques a democratas e “globalistas” gritando “Lock ‘em up” (prendam-nos) e “George Soros”.

Nos últimos anos, as pessoas que atacam Soros nos Estados Unidos e na Europa têm cada vez mais identificado uma causa comum.

A organização legal conservadora Judicial Watch, que recebeu apoio financeiro de grandes doadores conservadores, iniciou este ano um esforço para expor a ajuda do governo americano ao que a entidade considera ser a “agenda de extrema esquerda” de Soros na América do Sul e Europa do leste.

Na semana passada, falando no programa de televisão de Lou Dobbs na emissora Fox Business, o diretor de pesquisas da Judicial Watch, Chris Farrell, aludiu ao “Departamento de Estado ocupado por Soros”.

A Fox Business condenou a observação mais tarde e proibiu Farrell de aparecer na rede futuramente. Mas críticas a George Soros têm sido difundidas tanto pelo canal quanto pela Fox News.

Os esforços da Judicial Watch reiteram um tema citado por parlamentares republicanos em cartas enviadas este ano ao Departamento de Estado e à Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) acusando a Open Society Foundations, de Soros, de usar dinheiro dos contribuintes para promover uma agenda liberal na Albânia, Colômbia, Macedônia e Romênia.

Uma porta-voz da organização de Soros disse que os programas em questão focam questões que condizem com os “ideais americanos”, como o combate à corrupção e a promoção do Estado de Direito.

O partido conservador na Albânia é representado em Washington por um lobista ligado ao senador republicano Ted Cruz, do Texas, que assinou uma dessas cartas, e o governo de Viktor Orbán já fez pagamentos a lobistas e think tanks ligados à equipe de Trump.

George Soros virou um alvo importante dos republicanos pela primeira vez quando doou US$ 27 milhões (R$ 99,7 milhões) durante o ciclo eleitoral de 2004 em um esforço para derrotar o presidente George W. Bush, que Soros considerou culpado de ter ido à guerra no Iraque com pressa excessiva e que ele comparou ao regime nazista de Hitler.

Os esforços de Soros e de um grupo de milionários para derrotar Bush em 2004, apesar de não terem tido êxito, levaram mais tarde à criação de uma rede de grandes doadores liberais que mudaram a forma da esquerda americana, marcando Soros como figura de liderança na política democrata e reforçando seu status de alvo perene da direita em tempos de eleições.

“Naquela época, era um grupinho de desvairados, era considerado um esforço periférico e estava contido”, disse David Brock, o autodescrito agente agressor de direita que trocou de lado e lançou uma série de grupos liberais para rastrear a desinformação conservadora, incluindo a promovida por apresentadores como Beck.

“Mas esses esforços começaram a voltar com força redobrada durante a campanha de 2016”, disse Brock, cujos grupos já receberam milhões de dólares de Soros.

Durante a campanha de 2016, Soros expressou preocupação ainda maior com Trump do que manifestara em relação a Bush. E doou mais de US$ 16 milhões (R$ 59 milhões) a grupos que apoiavam Hillary Clinton.

Seus aliados dizem que Soros interpreta os ataques de Trump, Orbán e os apoiadores deles como um esforço para intimidá-lo e obrigá-lo a recuar. Mas, segundo eles, os esforços tiveram efeito inverso ao pretendido.

Segundo Michael Vachon, assessor político de Soros, quando amigos do bilionário o procuraram para manifestar preocupação com sua segurança física, depois de ser divulgada a notícia da bomba improvisada, Soros, que não estava em casa quando o pacote foi entregue, mudou de assunto para falar dos “prejuízos” que estariam sendo provocados pela administração Trump.

Vachon disse nos últimos dias Soros vinculou os ataques retóricos do presidente a seus críticos às bombas caseiras e até mesmo ao assassinato de 11 pessoas em uma sinagoga de Pittsburgh no último sábado (27).

Em email ao jornal The New York Times, Soros disse que estava de luto pelas vítimas do massacre em Pittsburgh e suas famílias. Ele disse: “Vim a este país para encontrar refúgio. Me angustia profundamente que judeus sejam massacrados na América em 2018 pelo simples fato de serem judeus.”

Um papel grande em 2018

Neste ciclo eleitoral, Soros já doou mais de US$ 15 milhões (R$ 55,4 milhões) para apoiar candidatos democratas no nível federal, segundo registros da comissão eleitoral, e também doou a entidades sem fins lucrativos que não revelam quem são seus doadores.

Representantes do megainvestidor dizem que ele deu US$ 1 milhão (R$ 3,69 mihões) ao Projeto Integridade da Democracia, criado após a eleição de 2016 para investigar a interferência estrangeira em eleições e as conexões de Trump com interesses russos.

Soros estuda a possibilidade de fazer doações adicionais a essa organização, que pagou por uma pesquisa da Fusion GPS, a firma por trás do dossiê controverso que contém alegações sobre os vínculos de Trump com a Rússia.

A escala de suas atividades deu a republicanos uma oportunidade de retratá-lo como força responsável por conflitos políticos que dividiram o país. 

As fundações de Soros foram proibidas de distribuir recursos na Rússia, e a Open Society decidiu transferir seu escritório da Hungria para outro país este ano, depois de se tornar alvo de uma campanha de difamação lançada pelo governo Orbán. A Universidade Centro-Europeia anunciou na semana passada que pode fazer o mesmo em breve.

Em uma campanha este ano, o partido de Orbán publicou um anúncio mostrando George Soros sorridente, com o slogan: “Não vamos deixar George Soros rir por último”. Críticos argumentaram que o objetivo da imagem era lembrar aos espectadores do “Judeu que Ri”, uma figura de linguagem antissemita comum.

Tradução de Clara Allain

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