Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

Luiz Fux não foi a Nova York, mas perdeu a aposta

Passada a turbulência eleitoral, chegou a hora de prestar contas

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Esperei dois meses para que o ministro Luiz Fux descansasse depois do fim de sua gestão na presidência do STF. Disse que estava "moído". Chegou a hora de cobrar a aposta que lhe propus em 2020 e dobrei em 2021.

Apostei que Fux não teria coragem de encaminhar as maiores urgências constitucionais do país para decisão. Não teve. Listei nove casos exemplificativos. Numa presidência de muita parolagem, a "porta última dos aflitos", sua alucinada imagem do Judiciário brasileiro, continuou a ignorar a aflição última dos miseráveis.

Ministro Luiz Fux em sessão plenária do STF - Nelson Jr - 31.ago.22/Divulgação STF

Dos nove casos, apenas um foi decidido pelo plenário, que ratificou decisão liminar de Edson Fachin para controlar operações policiais em favelas (ADPF 635, que reduziu letalidade policial). Não foi capaz de pautar julgamento do porte de drogas para consumo pessoal, sem solução desde 2011 e que provoca imenso encarceramento fútil (RE 635659).

Aguardou o país formar exército civil armado e não pautou ação contra decretos armamentistas de Bolsonaro, finalmente pautado por Rosa Weber e julgado (ADI 6139). Curvou-se a Artur Lira e assistiu o orçamento secreto estruturar aparato inédito de corrupção eleitoral (ADPF 874).

Defendeu redução de decisões monocráticas e quis aprovar regra para disciplinar pedidos de vista. O plano emperrou porque não abriu mão de manter na sua gaveta dois casos de seu coração corporativo: a suspensão da criação do "juiz de garantias" (ADI 6298, no seu gabinete desde 2019); e seu esforço obstrucionista para perpetuar "penduricalhos" (ou "fatos funcionais") de juízes fluminenses (ADI 4393, que segura sozinho desde 2012!).

Foi um guerreiro contra a audiência de custódia presencial, mecanismo de prevenção da tortura policial. Ao liberar audiência por videoconferência no Conselho Nacional de Justiça, sob pretexto da pandemia, ignorou estudos que mostraram sua incompatibilidade com os requisitos da audiência.

Por último, não se pode deixar de avaliar a presidência de Fux diante do programa bolsonarista permanente de ataque ao tribunal. Fux também abraçou, de modo menos escancarado que seu antecessor, Dias Toffoli, a filosofia da colaboração disfarçada pelas expressões "equilíbrio entre os poderes" e "diálogo".

De um lado, presidente da república se movimentava por intervenção militar, intimidava o STF e incitava ódio contra ministros; de outro, Fux tentava organizar chá da tarde entre os presidentes dos poderes para garantir eleições pacíficas que jamais teríamos.

Fux perdeu a aposta e agora me deve dois auxílios-moradia. Mas não custa perguntar se sua ausência na micareta cinco estrelas de Nova York, organizada pela agência de intercâmbio político de João Dória nesse feriado de 15 de novembro, que recebeu comitiva de cinco ministros, foi por zelo republicano ou senso do ridículo. Ou por revolta contra a depravação corporativa.

Tudo nesse grotesco evento da antiética judicial suscita conflito de interesses. E oferece boas razões para se desconfiar da imparcialidade de ministros no julgamento de interesses de seus anfitriões. Justo quando mais precisamos da autoridade do Judiciário e de juízes respeitáveis em cortes superiores. O Código de Ética de juízes manda evitar condutas que possam "refletir favoritismo e predisposição". Como interpretam essa regra?

O evento empresarial cobrava 10 mil dólares o convite. Seus colegas não pagaram ingresso, pois palestraram. As despesas foram custeadas não se sabe por quem. As palestras foram remuneradas não se sabe por quanto. Se pelo menos tivessem clarividência para evitar o malfeito na hora errada: a delinquência verde-amarela babava nas ruas à espera.

O JusPorn Awards 2022 esperava um ano com mais transparências e menos recato. O valor da aposta será investido na criação do "Fundo Depravare", que dará sustentabilidade à celebração da pornografia judicial.

No discurso de despedida da presidência, Fux postulou que "juiz compromissado com a Constituição" deve "tratar indigentes com caridade, e opulentos com altivez". Caridade com os indigentes lhe faltou, mas lhe sobrou caridade com a magistocracia. O patrimonialismo refinado de Nova York mostra o tratamento que o tribunal dispensa aos opulentos. E mostra, indiretamente, a consideração que reserva aos indigentes.

O STF contribuiu na contenção da ameaça bolsonarista, ainda longe de terminar, por meio de atos de coragem individual e algumas decisões oportunas do plenário. Só não se perca de vista o quanto o STF também deixou Bolsonaro barbarizar. E o quanto superestima sua capacidade de se fazer respeitar. Em Brasília ou em Nova York.

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