Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Corrupção bolsonarista, um epílogo

Falta de denúncia e punição a Bolsonaro evidencia corrupção do sistema de Justiça

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A corrupção bolsonarista é um modo de vida. De vida em família. Em 2022, narrei essa novela em dez capítulos.

A série passou por "rachadinhas", assessores-fantasma, compra de imóveis com malas de dinheiro, decretação de sigilo irrestrito, apagão de dados, barras de ouro, kits robótica, orçamento secreto, assédio eleitoral, militarismo cleptocrático, milicianismo armamentista, fraude da vacina. Com Augusto Aras e Augusto Heleno de chaveirinhos de bolso. O último capítulo concluiu: "Parece ruína, mas ainda é desconstrução."

Bolsonaro durante evento em Miami - Chandan Khanna-23.fev.23/AFP

Não acabou e não vai acabar.

Derrotado nas eleições que buscou suprimir, Jair Bolsonaro voou para um autoexílio em Orlando antes de terminar o mandato. Não passou a faixa, tentou golpe com seus generais e ministro da Justiça.

Voltou, foi submetido a interrogatório policial, obrigado a devolver as joias escondidas no sítio do seu piloto de corrida e a prestar contas sobre as joias de R$ 16 milhões apreendidas. Crime de peculato, mas, segundo seu filho Flávio, "presente de caráter personalíssimo, independentemente do valor".

Vivemos para testemunhar o epílogo patético de um rapineiro. Ou será o primeiro capítulo de nova temporada? Vai depender do sistema de Justiça, cúmplice histórico da corrupção bolsonarista.

A biografia de Jair Bolsonaro não aceita distinções da república: entre o público e o privado; entre Estado, governo e família; entre povo e coro de apoiadores; entre eleição e aclamação, instituições e pessoas. Entre direitos fundamentais e desejos da maioria, entre liberdade e prevalência contingente do mais forte e astuto.

Bolsonaro é sujeito privado que representa somente a si. Tem bloqueio cognitivo a abstrações do Estado de Direito. Não lhe importa a lei, mas quem a aplica. Quem possa ser intimidado, capturado ou absorvido no esquema. O fiscal do Ibama ou da Receita, o chefe da Polícia Federal, o procurador-geral da República, o desembargador, o ministro do STF ou do STJ: não há lei mediando relações, só aliados a premiar e inimigos a combater.

Foram 30 anos de preparação de um político na delinquência, sob o olhar leniente de STF e Câmara dos Deputados. A ocasião histórica fez dele o autocrata que alçou o Brasil à crista da onda global do declínio democrático. Onde ainda estamos, mas com esperança de desacelerar, interromper e reverter o declínio.

A instituição "dizem ministros", essa voz sem rosto, violadora da ética judicial, alimentada pelo jornalismo declaratório em off, revelou que "Bolsonaro ficará inelegível, mas não deve ser preso". Quantos ministros integram a "dizem ministros" não sabemos, mas o recado insinua acordo informal de anistia. Informal e corrupto.

Não duvide que nova irresponsabilização da corrupção bolsonarista, depois dos quatro anos de criminalidade serial e institucional, venha empacotada como conquista da "descriminalização da política". Como foi a nomeação e recondução de Augusto Aras, um pilar indispensável do descalabro.

Porque a redução do mundo da Justiça entre lava-jatistas (por heterodeclaração) e antilava-jatistas (por autodeclaração) tem nos induzido a uma idiotia sectária muito rentável a interesses empresariais e advocatícios. Arapuca que partidos progressistas compraram sem perceber. Tática cínica que o centrão adotou sabendo bem do que se trata.

A "advocacia em festa" adulou Augusto Aras por tudo que ele já não fazia em 2020. Mais tarde, quando o morticínio deliberado e ameaças de golpe eram ignorados pelo seu raio descriminalizador, a advocacia lobista alegou que, "para enfrentar a volta do lava-jatismo, é preciso reconduzir o Dr. Aras". Fabricar sombra do lava-jatismo virou grande negócio.

O esquema jurídico de acomodação dos ilícitos bolsonaristas não envolve, porém, apenas Dr. Aras. Envolve todos os que lhe deram paz de espírito e certeza de que não sofreria consequências pelos deveres jurídicos que não cumpriu. O STF impediu que o Conselho Superior do Ministério Público o processasse.

Teve também uma intrincada tabelinha entre STF, STJ e TJ-RJ para inviabilizar a investigação das "rachadinhas" familiares. Assistimos invalidações monocráticas de demorados esforços de investigação contra Bolsonaro, o não acolhimento de ações de improbidade contra ministros bolsonaristas ou o simples engavetamento.

Depois de tudo, Bolsonaro ainda não sofreu sequer uma denúncia. "Ministros dizem" que é o tempo judicial. Nesse "tempo judicial", estaremos todos mortos.

Flávio resumiu: a nossa corrupção é personalíssima. É contra o comunismo, conservadora dos valores da família armada, pela liberdade de incitar pânico em escolas, afanar joias e enriquecer por meio do crime. Um cidadão locupletado jamais será escravizado.

Mas a nossa corrupção é também magistocratíssima. Não sobreviveria sem a covardia e o beneplácito da magistocracia.

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