Bolsonaro chega ao Brasil após 89 dias nos EUA sob pressão de investigações e desgaste político

Ex-presidente retorna ao país para tentar se colocar como líder da oposição e se defender em inquéritos

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Brasília e Orlando (EUA)

Após uma temporada de 89 dias nos Estados Unidos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) retornou ao Brasil na manhã desta quinta-feira (30) para tentar liderar a oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao mesmo tempo em que precisará se defender em investigações —que vão do caso das joias da Arábia Saudita aos ataques de 8 de janeiro.

O avião comercial que partiu de Orlando pousou no aeroporto internacional de Brasília às 6h38 desta quinta. Ele não saiu pelo saguão tradicional do aeroporto, mas por uma passagem que dá acesso ao hangar da Polícia Federal, seguindo determinação das autoridades de segurança.

O ex-mandatário seguiu para a sede do PL, onde participa de um evento com correligionários e apoiadores. A imprensa não foi autorizada a acompanhar, a pedido do próprio Bolsonaro.

Bolsonaro acena para apoiadores pela janela da sede do PL, em Brasília
Bolsonaro acena para apoiadores pela janela da sede do PL, em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress

No saguão do aeroporto de Brasília, dezenas de apoiadores do ex-presidente se reuniam para recepcioná-lo. Não sabiam que Bolsonaro sairia por outro local. Eles oscilavam entre cantar o hino nacional e gritos de "mito", "ei, Bolsonaro, cadê você, eu vim aqui só pra te ver". Por vezes, xingavam Lula e a Globo.

Bolsonaro, que segundo aliados deve comandar a oposição a Lula, mirou no petista em suas primeiras declarações após o retorno. Disse que Lula está "por pouco tempo no poder" e não poderá fazer o que quiser "com o destino da nossa nação".

"Onde eu vou pra abraçar meu presidente?", questionou Tania Rocha Cezar. Decepcionada com a notícia, a dona de casa de 77 anos viajou de ônibus de São Vicente (SP) para Brasília apenas para acompanhar o retorno de ex-mandatário.

"Tô achando ótimo que ele está nos nossos braços outra vez e vamos levar ele para a Presidência novamente", disse Tânia, que questionou se a reportagem era lulista ou bolsonarista, porque não fala com eleitores de Lula.

Assim como Tania, Fernando Orlandi também foi para Brasília apenas para tentar ver o ex-presidente.

O empresário de 30 anos carregava o filho Kemuel de 1 ano nos braços, enquanto esperava Bolsonaro sair pelo desembarque internacional.

"Ele motivou muito o agronegócio, pequenos e grandes [empresários]. A gente tem que dar uma força [para ele]. A terra dele é aqui, com vitória ou derrota, ele tem que ficar aqui no Brasil", disse à Folha.

A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal preparou um esquema de segurança especial para a chegada do ex-presidente.

Bolsonaro partiu para os Estados Unidos no dia 30 de dezembro, às vésperas do fim do seu mandato presidencial. O objetivo foi não precisar passar a faixa presidencial para Lula, ignorando dessa forma o ritmo democrático de transferir simbolicamente o poder a seu sucessor.

Desde a derrota eleitoral para Lula, Bolsonaro adotou uma postura de reclusão, com raras aparições públicas.

O silêncio do então mandatário, e sua resistência a reconhecer o resultado, ajudou a alimentar teorias golpistas entre seus apoiadores —em especial nos acampamentos montados em frente a quartéis pelo país.

Ele viajou aos Estados Unidos em avião da FAB (Força Aérea Brasileira), utilizando a estrutura da Presidência da República.

Durante sua temporada nos EUA, ficou hospedado na região de Orlando (Flórida), inicialmente na casa que pertence ao ex-lutador de MMA José Aldo. Costumava sair para conversar com apoiadores que se aglomeravam em frente à residência. O ex-mandatário também participou de eventos políticos conservadores.

Como a Folha mostrou, os gastos com dinheiro público da viagem do ex-presidente já se aproximavam de R$ 1 milhão em fevereiro.

Do território americano, viu os ataques golpistas promovidos por seus apoiadores, que invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal). Condenou os atos, mas afirmou que houve muitas injustiças.

"[Tem] muita gente sendo injustiçada lá. Aquilo não é terrorismo pela nossa legislação. Tem gente que tem que sim ser individualizada, invasão, depredação, e cada um que pague por aquilo que fez", afirmou em um evento conservador.

O retorno de Bolsonaro chegou a ser anunciado algumas vezes por ele próprio e aliados, que depois recuaram. O filho mais velho do ex-presidente, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), chegou a anunciar no início de março que seu pai retornaria ao Brasil no dia 15 do mês. No entanto, recuou 14 minutos depois.

Agora Bolsonaro vai assumir o cargo de presidente de honra do PL, com salário de cerca de R$ 40 mil. Ele vai morar em uma casa dentro de um condomínio de alto padrão em Brasília.

Ao chegar no PL, Bolsonaro elogiou o perfil do Congresso empossado no início do ano e sugeriu que os parlamentares serão uma contenção a políticas de Lula.

"Eu lembro lá atrás quando alguém criticava o Parlamento, Ulysses Guimarães dizia: 'espera o próximo'. Desta vez, o próximo melhorou e muito. O Parlamento tem nos orgulhando pelas medidas, pela forma de se comportar, agir lá dentro, fazendo o que tem que ser feito e mostrando para esse pessoal que, por ora, pouco tempo, está no poder, eles não vão fazer o que bem querem com o destino da nossa nação", afirmou.

Mais tarde, em entrevista à rádio Jovem Pan, o ex-mandatário criou a primeira polêmica direta com o novo governo, criticando a equipe de Lula por não lhe ter fornecido veículos blindados. Bolsonaro afirmou que viu essa iniciativa como "um recado".

A Casa Civil afirmou em nota que "nenhum ex-presidente tem direito à utilização de carro blindado" e que foi disponibilizada a Bolsonaro a mesma estrutura dada a outros ex-chefes do Executivo.

O ex-mandatário vai buscar liderar a oposição ao governo Lula. Mas também terá que se dedicar a defender-se de diferentes investigações, inclusive sobre os ataques de 8 de janeiro.

O próprio Bolsonaro foi incluído no inquérito que apura a instigação e autoria intelectual dos ataques golpistas, numa decisão do ministro Alexandre de Moraes. Além do mais, Bolsonaro vai precisar responder a ações judiciais que podem torná-lo inelegível ou até acusado em processos criminais.

O ex-mandatário pode responder por vazar dados de investigação sigilosa da Polícia Federal, por interferir no órgão, por difundir fake news, entre outras acusações.

Só no STF, seis inquéritos apuram condutas de Bolsonaro que podem configurar crimes. Além disso, há outras 16 ações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que podem torná-lo inelegível.

Há também mais de uma dezena de pedidos de investigação contra Bolsonaro mandados por ministros do Supremo para a primeira instância da Justiça, devido à perda do foro especial com a saída dele da Presidência. Esses pedidos começaram a ser enviados pelos ministros a esferas inferiores no dia 10 de fevereiro.

Na entrevista à Jovem Pan, o ex-presidente disse não ver motivos para o TSE torná-lo inelegível.

"A questão do Tribunal Superior Eleitoral os advogados do partido estão tratando. Não vejo materialidade em nada. A ação mais forte contra mim é uma reunião que fiz com embaixadores em meados do ano passado. Não vejo motivo para me julgar inelegível por causa disso", declarou.

No campo eleitoral, a principal ação em análise foi apresentada pelo PDT e tem como foco a reunião com embaixadores protagonizada pelo então presidente em julho de 2022, na qual ele repetiu teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas e promoveu ameaças golpistas.

Bolsonaro também vai precisar enfrentar o desgaste político e responder pelo caso das joias vindas da Arábia Saudita. Nesta quarta-feira (29), o ex-presidente e seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, foram intimados pela Polícia Federal a depor sobre o caso. Os depoimentos foram marcados para o dia 5 de abril.

Por meio de seus advogados, Bolsonaro entregou em 24 de março à Caixa Econômica Federal em Brasília parte das joias que recebeu de presente dos sauditas em 2021. O kit inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard.

No mesmo dia, um kit de armas foi entregue à Polícia Federal, também por determinação do TCU (Tribunal de Contas da União).

O tribunal ainda determinou que o conjunto de joias e relógio avaliado em R$ 16,5 milhões que seria para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, retido pela Receita no aeroporto de Guarulhos (SP) em 2021, seja enviado à Caixa.

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