Já nasceu velho, enrugado e ranzinza, com o peso do mundo nas costas. Dentre suas habilidades, além de cantar, tocar guitarra e compor algumas das canções mais perturbadoras do rock, estava a de beber quinze doses duplas de tequila e sair andando.
Quantas vezes se deu essa proeza? Difícil saber. Uma delas foi registrada na Nova Zelândia. O Baudelaire de Nova York estava num bar, depois de um show, e foi desafiado por um baterista local. O duelo foi tenso, com um silêncio sepulcral a cada virada de copo, seguido de brados de alívio e incentivo.
Poucos mencionaram tantas bebidas em suas músicas quanto Lou Reed, que faria 80 anos na quarta que vem (2). Afora os espíritos básicos, gim, tequila, bourbon e outros, suas letras falam em vinho, cerveja, daiquiri, brandy alexander, dubonnet com gelo, sangria e mais.
Lou bebia contra a angústia e o tédio, mas também se via aprisionado pelo excesso —acabou no AA (e no NA). Tinha seu lado Tim Maia, de deixar plateias na mão quando os destilados e as drogas estivessem mais interessantes.
Destas, usava muita anfetamina, heroína e Quaalude, um sedativo. Formavam coquetéis mais perigosos, mix de calmantes e estimulantes, hipnóticos e energéticos —white light e white heat, como canta no segundo disco do Velvet Underground.
Gênio do canto falado, escrevia diálogos como ninguém —imagine uma versão punk do Hemingway. E contava histórias engraçadas e deprimentes, combinando elementos da alta literatura com a linguagem das ruas. Seu projeto era colocar guitarra em "Crime e Castigo". Em alguns momentos, chegou perto.
Rimbaud, Burroughs e Ginsberg eram outras influências literárias, as quais mesclava com referências pop e do submundo junky sado-masoquista. Coisa leve, os pais se orgulhavam muito.
"Berlin" é uma de suas canções mais assombrosas, lato sensu. Se o clima é decadente, a sensação é de relaxamento e prazer. Num café ao lado do muro que dividia a cidade alemã, um casal bebe Dubonnet com gelo. No ar, as ondas de etéreos violões. É o paraíso. Por que, então, pensamos no bar fantasma de "O Iluminado"?
Na famosa "Perfect Day", ele passeia no parque com a amada. Dão comida aos animais no zoo e bebem sangria. Tudo muito bom, só que não. No final, a letra sugere sombras: "Achei que era outra pessoa, alguém bom/Você colhe aquilo que plantou".
A moral bíblica ecoa em "Underneath the Bottle", na qual o fundo da garrafa e o fundo do poço são a mesma coisa, simbólica e literalmente. Já em "The Last Shot" o narrador (Lou?) se afunda ainda mais e propõe um brinde a seu último pico, com sangue espirrando na pia, nos livros, numa "mosca pousada na parede". Não importa se é "uísque, bourbon, vodca ou scotch". Ou uma cerveja. O importante é fazer um brinde "a tudo o que não se move (...) a tudo o que é bom e ao ódio".
"The Power of Positive Drinking", o poder da embriaguez positiva, vai na linha da bazófia. É uma saltitante defesa do álcool puro ("algumas pessoas estragam seus drinques com gelo"). Zoando, a balada continua: "não gosto de misturinhas, de quem saboreia a bebida e de bêbados chorões".
Com ou sem lucidez, queimando ou não os neurônios, as pessoas bebem para liberar a libido e levantar o ego, canta Reed. "Esse é meu fardo", emenda com a ironia habitual. E vai embora "graciosamente, com um scotch na mão."
DRUNK UNCLE (foi mal, Lou)
Ingredientes
- 45 ml de scotch
- 20 ml de vermute branco
- 10 ml de Cynar
Passo a passo
Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça coupe gelada.
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