Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Como molhar a garganta na Copa islâmica

Quem for à Copa no Qatar corre o risco de achar a experiência meio sem sal

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Futebol sem álcool é como ovo sem sal (ou beijo sem bigode, afiançava minha bisavó). Dito isso, quem for à Copa no Qatar corre o risco de achar a experiência meio sem sal —e mesmo sem bigode, já que as manifestações públicas de afeto, assim como o consumo etílico, são vistas com maus olhos.

A sharia, conjunto de leis baseadas no Alcorão, paira como um grande olho nos céus do pequeno e rico país do oriente médio: a tudo vê, a muito condena. É o VAR do fundamentalismo religioso.

Aos qatarianos é proibido beber. Não à toa, sharia quer dizer "caminho para a água". Há exceções, alguns privilegiados têm passes especiais para comprar bebidas na única distribuidora nacional. Mas só para consumir atrás das cortinas do lar. Bebem caseiramente. E pouco.

Se o grande olho pisca, o mercado negro faz a festa —a sete chaves, bem entendido, provavelmente abraçado à corrupção local. Só é preciso testar o produto com alguma pobre cobaia, pois há a chance de ter sido fabricado sem muitas considerações à saúde.

Aos estrangeiros há os bares dos hotéis e algumas boates credenciadas, nas regiões turísticas. Lá, a onda dos bares secretos é questão de segurança nacional. Se é que existem, devem ficar sob um alçapão no meio do deserto, com vigilância mercenária. Ou em algum lugar camuflado, em que a polícia sai com as mãos molhadas.

Aos torcedores, herdeiros do fundamentalismo hooligan, restará desembolsar uma bela quantia por uma mísera cerveja, a ser vendida nos estádios e entornos. Se sua seleção for ruim, sairá caro afogar as mágoas. Se for boa, terá de fazer um empréstimo para comemorar, caso não esteja na ponta da pirâmide.

A mala é um caso à parte: será preciso arrumá-la com zelo maometano: nada de roupas que mostrem ombros e joelhos. Se bem que a Fifa deve criar zonas francas para a exibição de pele, nos mesmo locais de liberdade para chopes e coqueteleiras. O dinheiro sempre foi um deus mais poderoso.

Esta deverá ser a Copa com mais torcedores voltando-se para Meca. Além do país-sede, outras cinco nações predominantemente muçulmanas vão disputar o pleito: Marrocos, Irã, Arábia Saudita, Tunísia e Senegal. Os dois últimos são Estados laicos e democráticos, onde pode-se pedir um gim-tônica abençoado por Alá e pela Constituição —é o salutar Islã light. O Marrocos, terra de muito turismo (Marrakech, Casablanca), fica num meio-termo, sob o céu que nos protege.

Irã e Arábia Saudita, por sua vez, estão no mesmo time do Qatar, ditaduras mal disfarçadas. Se os direitos etílicos são quase inexistentes, os direitos humanos são seguidamente desrespeitados, muitas vezes com grande violência, como no caso recente da iraniana morta por não usar o hijab.

Perto disso, o acesso ao arak é um grão de areia do Saara. Mas a gente também quer diversão e arte. Qualquer país que proíbe o dry martini, proíbe também outras manifestações de alegria, como ficou claro na prisão e espancamento bárbaro de pessoas LGBTQIA+ no Qatar, essa semana.

O negócio é não sucumbir jamais, diria Edward Said, o grande pensador palestino. Que neste domingo possamos dar adeus à shaaria evangélica. E molhar a garganta secularmente, com o tesão apropriado.

ARAB SPRING

  • 45 ml de arak
  • 6 folhas de hortelã
  • 3 framboesas
  • Uma colher de sopa de conserva de figo
  • 5 gotas de xarope de baunilha
  • 20 ml de licor de laranja

Passo a passo
Jogue água no arak lentamente, até ficar esbranquiçado e separe. Macere a hortelã e as framboesas num mixing glass. Misture os demais ingredientes e vá mexendo à medida que despeja suavemente o arak. Coe para um copo com gelo.

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