Desigualdades

Editada por Maria Brant, jornalista, mestre em direitos humanos pela LSE e doutora em relações internacionais pela USP, e por Renata Boulos, coordenadora-executiva da rede ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades), a coluna examina as várias desigualdades que afetam o Brasil e as políticas que as fazem persistir

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Desigualdades

Enquanto prevalecer anistia aos partidos, não haverá democracia

A desigualdade de acesso ao poder é um traço marcante e vergonhoso da democracia brasileira

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Os dados do Censo recém-divulgados revelam que somos 203 milhões de pessoas no Brasil. E a maioria dessa população é negra, jovem, pobre e composta por mulheres. Contudo, se olharmos para os postos de poder e tomada de decisão política em nosso país, temos um retrato invertido dessa realidade: seus principais ocupantes são homens, brancos, em idade avançada e de renda comparativamente mais alta.

A desigualdade de acesso ao poder é um traço marcante e vergonhoso da democracia brasileira. E não é preciso ir longe para constatar a gravidade do déficit de representação política no país. Enquanto nossos vizinhos latino-americanos vêm instituindo cotas de cadeiras em seus parlamentos, como mecanismo de promoção de equidade de gênero e raça nos espaços de poder, o Brasil segue amargando as piores posições no ranking de participação política de mulheres. No ritmo atual, só alcançaremos a paridade no comando das prefeituras em 144 anos, conforme estudo realizado pelo Instituto Alziras e Oxfam Brasil.

Parlamentares brasileiros atrás de mesas durante sessão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, em Brasília
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania durante discussão e votação de propostas legislativas, como a PEC da Anistia - Vinicius Loures - 16.mai.23/Câmara dos Deputados

Em 2018, as mulheres brasileiras tiveram garantido o acesso a financiamento público e a tempo de propaganda eleitoral em rádio e televisão para suas campanhas. Por ocasião do julgamento da ADI 1517, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a destinação desses recursos deveria ocorrer de forma proporcional à parcela de candidatas registradas nas listas partidárias, considerando o patamar mínimo de 30% definido em lei.

Dois anos depois, nas eleições municipais de 2020, tal proporcionalidade também foi estendida às candidaturas negras. E, apenas no ano passado, esse direito foi incorporado à Constituição Federal com ressalvas, já que a Emenda Constitucional 117/2022 limita-se a especificar as cotas de gênero, sem fazer menção às dimensões raciais. E sua redação atual corre o risco de engessar a ação afirmativa de gênero nos patamares atuais, pois, na prática, o piso de 30% tem funcionado como teto, dificultando eventuais incrementos.

Essas conquistas recentes, apesar de limitadas, têm gerado condições menos desiguais para que homens e mulheres, negros e brancos, participem da corrida eleitoral. Mas esses avanços tímidos e insuficientes seguem constantemente ameaçados por sucessivas anistias aos partidos políticos que descumprem as ações afirmativas definidas pela legislação.

No mês passado, a Proposta de Emenda Constitucional 9/2023 — que propõe perdão às legendas que não cumpriram as cotas raciais e de gênero nas eleições de 2022 — teve sua admissibilidade aprovada pela CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados. Isso significa deixar de lado um calote de R$ 740 milhões para candidaturas negras e R$ 140 milhões para campanhas de mulheres. Em breve, esse dispositivo deverá passar por uma comissão especial para então ser submetido ao plenário. E cabe lembrar que a PEC 9/2023 entrou em tramitação menos de um ano depois da última anistia aos partidos aprovada pelo Congresso Nacional em maio de 2022.

Último país do mundo a abolir a escravidão, o Brasil fechou os olhos para o tráfico de seres humanos que persistiu, por décadas, a despeito de tratados e convenções internacionais. Também relevou a atuação de torturadores, estupradores e assassinos de presos políticos durante a ditadura militar. E segue naturalizando o fato de que as maiorias sociais brasileiras têm sido historicamente destituídas de seu direito de ter voz pública, formular leis e de decidir sobre as políticas que afetam suas próprias vidas. Reverter esse processo é urgente não apenas por uma questão de justiça social, como também de reparação histórica. Enquanto prevalecer a anistia aos partidos, não haverá democracia.

Michelle Ferreti

integra o Instituto Alziras, uma organização da sociedade civil que atua para ampliar e fortalecer a participação de mulheres, em sua diversidade, na política e na gestão pública

Marina Barros

integra o Instituto Alziras, uma organização da sociedade civil que atua para ampliar e fortalecer a participação de mulheres, em sua diversidade, na política e na gestão pública

Cíntia Melchiori

integra o Instituto Alziras, uma organização da sociedade civil que atua para ampliar e fortalecer a participação de mulheres, em sua diversidade, na política e na gestão pública

Tauá Pires

integra o Instituto Alziras, uma organização da sociedade civil que atua para ampliar e fortalecer a participação de mulheres, em sua diversidade, na política e na gestão pública

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