Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Cumprimento o STF por entender o enviesamento racial da guerra às drogas

Há anos movimentos sociais esperam pelo reconhecimento do óbvio, o fracasso do combate a substâncias como a maconha

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É preciso afirmar o básico para traçar limites do campo em disputa e, nesse sentido, todo trabalho por mudança de uma política pública "tabu" em vistas da superação de um cenário falido é algo a ser feito e observado com atenção. No caso da política de drogas, transformações vêm sendo pedidas e pesquisadas há muito tempo.

Há anos movimentos sociais esperam do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento do óbvio, o fracasso da guerra policial às drogas e o enviesamento racial do Poder Judiciário, a quem ficou incumbida a missão de distinguir quem seria usuário, portanto solto, e quem seria traficante, portanto preso.

Ilustração de fundo amarelo, com folhas da planta Cannabis, recipientes para resíduos médicos e um pilão para ervas e plantas.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro - Aline Bispo/Folhapress

Foram 13 anos de espera e pedidos de vista até que, por maioria, a corte decidiu nessa semana pelo estabelecimento de critérios objetivos para essa distinção. E a decisão vale apenas para a posse de 40g de maconha.

Infelizmente, a justiça não é cega, mas a vigência de um requisito objetivo dificulta o arbítrio. Até porque, vivemos sob um sistema em que um jovem negro com 40g de maconha é traficante, ao passo que um jovem branco "faz delivery de drogas".

Segundo recente pesquisa divulgada pelo Centro de Estudos Raciais do Insper, 31 mil pessoas negras foram enquadradas como traficantes em situações similares nos quais brancos são considerados usuários. Como se vê, a decisão do Supremo tem um caráter antidiscriminatório.

No entanto, esse julgamento em parte favorável à população negra, que estava sendo desproporcionalmente impactada há décadas e ao custo de milhões de pessoas, causou um "imenso problema".

E não, o imenso problema não é ausência de reparação das comunidades erosadas pela guerra às drogas. Não é falta de promoção de políticas sustentáveis, como argumenta a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas (INNPD). Esses deveriam ser nossos problemas.

Mas problema seria, segundo os críticos, uma intromissão do Judiciário no trabalho do Congresso —o mesmo que agora decide criar uma comissão neste assunto para conjecturar mais formas de punir usuários. Ou seja, resolve por piorar o que já está insustentável.

A PEC das Drogas que será analisada é de autoria do presidente do Senado, advogado criminalista que, como tal, deveria saber sobre as consequências para o povo negro no recrudescimento da política de drogas. Tanto ele, quanto o presidente da Câmara criticaram essa suposta interferência.

A decisão da Corte também foi criticada pelo presidente da República, o qual afirmou que o Supremo não tem que se meter no assunto. É necessário dizer que a atual lei de drogas, que é geradora de inúmeros problemas, foi obra de seu primeiro governo, logo a responsabilidade sobre trabalhar a questão deveria ser de maior importância —prioritário, na verdade— tanto no sentido de avançar socialmente, como também para tentar corrigir o erro passado.

E mesmo sobre a suposta intromissão do Supremo, discordo do argumento, pois estamos falando de sistema que tem produzido danos graves e concretos à população em geral, e à população negra em particular.

O combate à discriminação é uma missão de todos e, frente a uma omissão sobre os efeitos racistas da subjetividade do juiz autorizada pela lei, cabe à Corte decidir sobre o assunto, no que ela levou treze longos anos para isso, tempo suficiente para os demais poderes terem feito algo sobre o assunto. Como afirma a INNPD, ainda falta muito para chegarmos ao mínimo.

Na contramão, ao optar por mais rigor, o Congresso alimenta um sistema do qual deveria estar farto. Mas a ignorância é tanta que essa coluna relembra o caso de Lucas Morais Trindade, morto sufocado no presídio em que estava em Minas Gerais pelo porte de 10g de maconha. Ele aguardava o julgamento dos recursos preso e teve uma série de pedidos de habeas corpus negados.

Estávamos no ápice da pandemia e o distanciamento social era medida de saúde coletiva. Mas ali, duzentos e dezessete presos ocupavam o espaço em que a capacidade máxima era de cento e noventa e três. Nem nesse cenário extremo, houve uma análise da situação e Lucas morreu na cela, sob gritos dos demais por socorro.

Lucas era negro e deixou dois filhos de até cinco anos de idade. Sua prisão foi ridícula por uma série de motivos. Um deles foi pela posse de uma droga que, inclusive, é curativa para muitas doenças graves e consumida em todo país. Uma planta que inspira a paz e sua criminalização tem causado infelicidade e morte.

Cumprimento a Suprema Corte pela decisão proferida, esperançosa de tempos melhores ainda que diante da escuridão da ignorância.

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