Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Heitor Ferreira foi uma das figuras mais poderosas da República

Militar foi secretário de Golbery, Geisel e Figueiredo e construiu arquivo histórico

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Morreu na quarta-feira (24) Heitor Aquino Ferreira. Vivia num modesto apartamento em Copacabana, fazia traduções e era um senhor de poucas palavras. Havia sido uma das figuras mais poderosas da República e tinha duas paixões: a política e a História. Traduziu "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, e "O Mundo Restaurado", de Henry Kissinger.

Foi assistente do general Golbery na criação do Serviço Nacional de Informações e deixou o Exército como capitão. Tornou-se assistente do general Ernesto Geisel na presidência da Petrobras e em 1974 foi para Brasília como seu secretário particular. Em 1979 o presidente João Baptista Figueiredo manteve-o na posição até 1983.

Na política, Heitor meteu-se nos anos 50 ainda como cadete da Academia Militar das Agulhas Negras. Com a História, estava metido já em 1960, quando acompanhou o candidato Jânio Quadros para uma entrevista à rádio Guaíba, em Porto Alegre. Jânio levava uma cola para a conversa, onde escreveu "energia, transportes, agricultura, crédito" e deixou o papel sobre a mesa. O tenentinho de 25 anos guardou-o.

Heitor de Aquino Ferreira, aos 28 anos - Reprodução

Era o início de um monumental trabalho de preservação da memória nacional. Resultaria num diário que soma mais de 1.500 páginas, num arquivo de cerca de 5.000 documentos e centenas de horas com gravações.

Golbery, que acompanhava a vida dos outros, dizia que não tinha arquivo. Era meia verdade. Ele tinha uma caixa ao lado da mesa, na qual jogava os papéis que passavam por lá. Heitor recolhia as caixas. Geisel também não tinha arquivo, mas Heitor guardava até seus rabiscos.

Em 1973, com o conhecimento e autorização de Geisel e Golbery, Heitor passou a gravar as conversas que tinham no Rio de Janeiro e também os telefonemas do presidente eleito. Era uma preocupação voltada exclusivamente para a preservação da memória, pois passou-se mais de meio século sem que Heitor jamais abrisse as caixas ou consultasse o material.

Na política, Heitor foi um soldado da abertura promovida por Geisel. Com Humberto Barreto, o poderoso assessor de imprensa do presidente, combatia a censura. Com Golbery, incentivava Geisel para que demitisse o general Sylvio Frota, ministro do Exército. Incentivava com tanta insistência que numa manhã o presidente atirou-lhe um telefone.

Coube a Heitor uma ação pitoresca. Em 1977 fez circular uma pergunta na cúpula do Planalto: O que acontecerá se o Ato Institucional nº 5 for revogado? A resposta: Nada. No dia 31 de dezembro de 1978 o AI-5 caducou e nada aconteceu.

O poder de Heitor Ferreira era tamanho que muitos ministros conversavam com ele forçando o tratamento de "você" e viam-se devolvidos à formalidade do "senhor".

Como Humberto Barreto, Heitor deixou o poder recolhendo-se ao silêncio e a uma vida frugal, sem grande patrimônio. Numa de suas crises de saúde, as despesas foram cobertas por Paulo Maluf, cuja candidatura à Presidência apoiou nos anos 80, causando-lhe a saída do governo. Ele, que esteve no SNI em 1964, era vigiado pelo Serviço em 1983.

A fábrica que produzia figuras como Barreto e Heitor Ferreira não existe mais.

Em tempo: O signatário teve o privilégio da convivência e da amizade de ambos. Com o consentimento de Golbery, Heitor deu-lhe a guarda de parte de seu arquivo.

Diplomacia de gesto

Diplomacia se faz também com gestos.

Portugal emprestou ao governo brasileiro o coração de D. Pedro 1º. Quem trouxe a urna foi o chefe da polícia portuguesa, fardado. Veio acompanhado pelo presidente da Câmara da cidade do Porto, que guarda a peça.

Sem uma palavra, municipalizou-se o gesto.

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