Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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A rede Americanas foi depenada

Quem são os diretores que tiraram R$ 244 milhões da reta?

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Com todo mundo brigando com todo mundo, é possível que a encrenca da rede varejista Americanas caminhe para uma falsa trégua. Seguiria o ensinamento do grande sambista Morengueira em seu "Piston de Gafieira":

"Quem está fora não entra
Quem está dentro não sai".

Apareceu um rombo estimado em mais de R$ 40 bilhões e, salvo o executivo Sergio Rial, que ficou alguns dias à frente da empresa, tocou o alarme e afastou-se do cargo, ninguém sabia de nada.

O trio de grandes acionistas (Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles) informou que "jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia." A auditora PwC e os bancos que davam crédito à rede nunca tocaram o sino. Os responsáveis diretos pela administração da empresa ao longo dos últimos anos estão calados. Ninguém sabia de nada, mas o espeto vai também para fornecedores de mercadorias.

Unidades das Lojas Americanas, no centro de São Paulo - Bruno Santos - 17.jan.23/Folhapress

A discussão de sabia-não-sabia irá para os tribunais e lá poderá ser esclarecida com o exame das mensagens trocadas pelos doutores. Contudo, versões implausíveis raramente resistem a uma cronologia, e ela indica que a rede Americanas sofreu um golpe. Em português do varejo, foi depenada. A empresa mimava acionistas e diretores como se fosse um porta-aviões e era um casco condenado. Pelo menos as pessoas que mostraram os números a Rial sabiam disso.

No ano passado, o conselho da empresa orgulhava-se de "promover uma cultura de superação de resultados através da contratação e retenção das melhores pessoas, alinhadas com os interesses dos acionistas".

A Americanas remunerava muito bem seus diretores. Nos últimos dez anos eles receberam R$ 505,4 milhões, o dobro do que pagaram redes concorrentes como a Magalu e a Renner. Entre 2013 e o terceiro trimestre de 2022, a Americanas pagou R$ 2,1 bilhões aos seus acionistas. Até aí, seria o jogo jogado.

O processo de escolha de um novo executivo para a Americanas começou em março do ano passado. Em agosto, a rede anunciou que o veterano Miguel Gutierrez, com 30 anos de casa e 20 como seu principal executivo, seria substituído por Sergio Rial, vindo do banco Santander. O repórter Nicola Pamplona revelou que, durante o segundo semestre de 2022, diretores estatutários da Americanas venderam R$ 244,3 milhões de ações da empresa. O pico das vendas ocorreu entre agosto e setembro.

Em novembro, a rede revelou um prejuízo de R$ 211,5 milhões para o trimestre. (No ano anterior ela havia lucrado R$ 240 milhões no mesmo período.)

A luz do Sol é o melhor detergente

Sergio Rial assumiu a direção da Americanas no dia 2 de janeiro. Nesses dias obteve detalhes do que mais tarde chamaria de "inconsistências contábeis". No dia 6, representantes dos acionistas reuniram-se com diretores da empresa e funcionários da área financeira. Daí até o dia 11, Rial viveu o que chamou de "escolha de Sofia": "Falo ou não falo?". Falou. No dia seguinte, as ações da empresa perderam 80% do seu valor e logo depois a Americanas entrou em processo de recuperação judicial.

O litígio da Americanas poderá vir a ser um dos maiores de todos os tempos, a menos que nas próximas semanas ocorra uma trégua simulada. Afinal, Morengueira cantava:

"A orquestra sempre toma providência
Tocando alto pra polícia não manjar
E nessa altura
Como parte da rotina
O piston tira a surdina
E põe as coisas no lugar".

A luz do Sol é o melhor detergente. Há abundantes sinais de que houve uma fraude na Americanas e que ela só durou anos porque foi encoberta.

Os bancos pedem à Justiça acesso às comunicações internas da empresa. Esse acervo poderá levar a novas pistas para se saber o que aconteceu. Além disso, outra boa questão está no tabuleiro, para ser esclarecida com a Comissão de Valores Mobiliários:

Quais foram os diretores da Americanas que venderam R$ 244,3 milhões no segundo semestre do ano passado, quando as Americanas foram do lucro ao prejuízo e sabia-se que Gutierrez seria substituído por Rial? Por quê?

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