Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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A anatomia de um golpe pifado

Lula protegeu seu mandato ao refugar a GLO, Garantia da Lei e da Ordem

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Na sua entrevista à repórter Natuza Nery, Lula mostrou que, por instinto, protegeu seu mandato na tarde do dia 8, ao refugar a proposta de decretação do expediente de Garantia da Lei e da Ordem, a GLO. Se ele aceitasse a proposta, mobilizaria as Forças Armadas para restabelecer a paz em Brasília.

Depois disso, sabe-se lá o que aconteceria, mas esse era o caminho defendido também por pessoas que não gostam dele.

Multidão de pessoas de verde amarelo sobe a rampa do Palácio do Planalto
Bolsonaristas invadem e depredam Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal em Brasília - Adriano Machado - 8.jan.23/Reuters

Há anos, Jair Bolsonaro sonhava com Apocalipses que chamariam a tropa. Às 17h10 do dia 8, o general da reserva Hamilton Mourão, ex-vice presidente e senador eleito pelo Rio Grande do Sul escreveu:

"Repito que o Governo do Distrito Federal é responsável e, caso não tenha condições, que peça ao governo federal um decreto de Garantia da Lei e da Ordem".

Quando Mourão ofereceu esse caminho, o Congresso, o Planalto e o Supremo Tribunal já haviam sido invadidos. O painel de Di Cavalcanti, esfaqueado, o relógio de d. João 6º atirado ao chão e o armário do ministro Alexandre de Moraes, arrombado.

Às 17h02, a Agência Brasil informou que uma tropa do Batalhão da Guarda Presidencial estava chegando ao Planalto e o Choque da PM havia retomado o Supremo.

Às 17h55 foi ao ar a fala de Lula chutando a bola na pequena área ao decretar a intervenção federal na segurança pública de Brasília. Era a exclusão da alternativa da GLO que vinha de seus correligionários.

(Esta foi a segunda vez que aliados de Lula tentavam mover a peça errada. No dia do segundo turno, quando a Polícia Rodoviária Federal parava ônibus de eleitores no Nordeste, petistas queriam prorrogar o encerramento da coleta de votos. Nesse episódio, quem tirou a bola da pequena área foi Alexandre de Moraes. Ele percebeu que o adiamento poderia robustecer uma proposta de cancelamento do pleito.)

Só as investigações mostrarão o que havia no panelão do golpe do dia 8 de janeiro. Deixando de lado as palavras, o que não é pouca coisa, trata-se de juntar os pontos.

Desde dezembro, incendiaram-se carros e ônibus em Brasília, numa noite em que a sede da Polícia Federal foi atacada. Quatro torres de transmissão de energia foram derrubadas. Três pessoas já confessaram que preparavam um atentado explodindo um caminhão de combustível nas cercanias do aeroporto e detonando uma subestação de energia. George Washington de Oliveira Sousa, metido nesse projeto de atentado, foi claro: dariam "início ao caos que levaria à decretação do estado de sítio".

A GLO é a prima pobre do estado de defesa proposta no papel guardado pelo ex-ministro Anderson Torres que, por sua vez, é a prima pobre do estado de sítio.

A confiança de Lula

No seu café da manhã com jornalistas, Lula tratou da invasão do Palácio do Planalto e disse o seguinte:

"Eu perdi a confiança, simplesmente. Na hora que eu recuperar a confiança, eu volto à normalidade".

"Eu pego no jornal um motorista do [general] Heleno dizendo que vai me matar e que não vou subir a rampa. Outro tenente diz que vai me dar um tiro na cabeça, que não vou subir a rampa. Como vou ter uma pessoa na porta da minha sala que pode me dar um tiro?"

Do dia seguinte, o general da reserva Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional durante o governo de Michel Temer, respondeu:

"Passado o triste episódio do dia 8, o presidente Lula, comandante supremo das Forças Armadas, dá uma declaração clara à imprensa de que não confia nas Forças Armadas. Como é que se pacifica o país a partir daí?"

Lula tratava de situações concretas. Noves fora as diatribes do motorista e do sargento, o mundo viu a invasão do palácio presidencial na tarde do dia 8. O prédio, bem como o Palácio da Alvorada, é protegido pelo Batalhão da Guarda Presidencial, e sua inação ficou documentalmente comprovada.

Se um general tem o seu quartel vandalizado numa tarde de domingo, o mínimo que tem a fazer é desconfiar da guarda. A raiz dessa desconfiança não precisa ser política, é operacional. Lula não disse que "não confia nas Forças Armadas". Podia ter sido mais preciso, porém o comentário envolvia uma inação operacional.

Em 1977, quando o presidente Ernesto Geisel decidiu demitir o ministro do Exército, general Sylvio Frota, acautelou-se montando três dispositivos, sem que cada um deles soubesse da existência dos outros.

Além disso, escolheu a primeira quinzena de outubro porque, naquele período, de acordo com um rodízio, os palácios estavam sob a proteção do Regimento de Cavalaria de Guarda. Com razão, ele não confiava no coronel que comandava o Batalhão da Guarda Presidencial. (Duas semanas depois, sem estridência, o novo ministro substituiu-o.)

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