Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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CPI do 8 de janeiro dará trabalho

Comissariado petista enrolou-se com realidade implausível

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Na quarta-feira deverá ser instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito do 8 de janeiro. Ela tem todos os elementos para mostrar o óbvio: o Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal foram invadidos por uma multidão que pedia um golpe de Estado contra o governo de Lula.

Apesar disso, o comissariado petista enrolou-se, tentando administrar uma realidade paralela implausível. Nela, fazia-se de conta que o apagão da segurança de Brasília ocorreu fora do seu alcance.

Vista do salão nobre, no segundo andar do prédio do STF (Supremo Tribunal Federal), após os atos golpistas de 8 de janeiro
Vista do salão nobre, no segundo andar do prédio do STF (Supremo Tribunal Federal), após os atos golpistas de 8 de janeiro - Pedro Ladeira - 11.jan.23/Folhapress

O governo continuou cultivando a realidade paralela na semana passada, ao dizer que o general da reserva Gonçalves Dias "saiu por conta própria" da chefia do Gabinete de Segurança Institucional. Ele teve que ir embora depois da divulgação, pelo repórter Leandro Magalhães, dos vídeos gravados pelas câmeras do Planalto no dia 8 de janeiro. Eles mostraram a cordialidade do apagão no GSI invadido.

Esses vídeos, captados por 22 câmeras, somavam 165 horas, ocupando 250 gigabytes de memória e estavam sob a guarda do GSI. Em abril, ele negou o acesso à CPI da Câmara Distrital de Brasília, informando que a tarefa era impossível, dado o tamanho do material.

Patranha, não só porque ele poderia ser copiado em poucas horas, mas também porque uma semana depois da invasão do Planalto uma parte dos vídeos do Planalto havia sido divulgada.

Segundo Gonçalves Dias, todos os vídeos foram entregues às autoridades que investigam os acontecimentos. Nenhuma câmera estava quebrada ou desligada. Elas mostram, por exemplo, que o relógio oitocentista do Planalto foi derrubado às 15h33, recolocado no lugar às 15h43 e derrubado de novo às 16h12.

Gonçalves Dias contou à repórter Delis Ortiz que chegou ao Planalto quando a manifestação passava pelo Ministério da Justiça. Logo depois informou que, ao chegar ao palácio, ele já estava invadido. O chefe do gabinete de Segurança Institucional não estava no palácio. Basta.

(Vale lembrar que, na véspera, G. Dias havia dispensado o reforço do Batalhão da Guarda Presidencial. No dia 8, essa tropa manteve-se inerte nos momentos críticos.)

Desde a véspera sabia-se que centenas de ônibus haviam chegado a Brasília. Manifestantes pedindo um golpe de Estado estavam acampados diante do QG do Exército há semanas. Nas redes sociais, monitoradas pelo governo, convocavam-se pessoas para a "festa da Selma".

Às 9h30 daquela manhã uma mensagem informava: "Não tem que invadir nada, a não ser na hora certa de comer o bolo da festa da Selma".

O bolo da Selma foi comido entre 15h e 15h25, com a invasão do Congresso, do Planalto e do Supremo Tribunal. Estupendo sincronismo.

Estabeleceu-se que houve um apagão da segurança em Brasília naquele dia. Ele também foi relativamente sincrônico, e a investigação da Polícia Federal e do ministro do STF Alexandre de Moraes reúnem os dados para esclarecer os dois sincronismos.

Às 17h55, Lula decretou a intervenção federal na segurança pública de Brasília. O presidente desprezou diversas sugestões para que decretasse um regime de Garantia da Lei e da Ordem, entregando a questão a um comandante militar.

Essa ideia era defendida por aliados, como o ministro da Defesa, José Múcio, e também por adversários, como o senador e general da reserva Hamilton Mourão. Lula sentiu na GLO o cheiro do golpe.

Até agora, o melhor levantamento dos fatos do 8 de janeiro veio do interventor na segurança de Brasília, Ricardo Capelli, atual chefe interino do Gabinete de Segurança Institucional. Nele, vê-se uma parte de quem fez o quê e de quem não fez o quê, antes e durante as invasões.

Na quinta, dia 20 de abril, Capelli identificou para o ministro Alexandre de Moraes os servidores civis e militares que estavam no palácio no dia 8. G. Dias devia ter feito isso há meses.

Arquivo vivo

Seja qual for o governo, o chefe do serviço de segurança sabe, e guarda, segredos dos titulares.
O general G. Dias chefiou a segurança de Lula durante seus dois primeiros governos.
Nos últimos quatro anos, com Bolsonaro na Presidência, G. Dias mostrou que tinha boa memória.

Moral variável

Depois de deixar o cargo, o general da reserva G. Dias deu uma entrevista à repórter Delis Ortiz. Dela, lembrou seus 40 anos de serviços ao Exército, defendeu sua moral e criticou a reportagem de Leandro Magalhães, que expôs seus movimentos no Planalto no dia 8 de janeiro. Tudo bem.

No mesmo dia, o general deveria ter comparecido à Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados para falar sobre o 8 de janeiro, mas faltou, apresentando um atestado médico da Coordenação de Saúde da Presidência.

Seu quadro clínico exigiria medicação e observação, "devendo ter ausência em compromissos justificados por motivo de saúde".

Noves fora o mau português, ficaram mal o paciente e o médico que assinou a peça.

Leia outro trecho da coluna de Elio Gaspari

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