Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Miep, a secretária que virou asteróide

Durante dois anos ela garantiu a sobrevivência da família de Anne Frank

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A Disney produziu a série "A Small Light" ("Uma Pequena Luz"). É a história de Miep Gies, a secretária do comerciante judeu Otto Frank. Durante dois anos ela garantiu a sobrevivência da família de Frank, escondida no sótão do escritório, em Amsterdã.

Em agosto de 1944, quando um policial austríaco (como ela) os descobriu, Miep conseguiu guardar o diário de Anne, a filha adolescente de Otto. A garota morreu em março de 1945 no campo de concentração de Bergen-Belsen, mas seu diário tornou-se uma referência para a história da perseguição aos judeus.

Miep levou uma vida discreta e morreu em 2010, aos 101 anos. Desde 2009, um asteroide que circula entre Marte e Júpiter leva o seu nome.

capa de livro
Primeira edição americana do 'Diário de Anne Frank', de 1952, com introdução de Eleanor Roosevelt - Divulgação

Miep foi um exemplo da banalidade do bem. Já o policial que prendeu os Frank foi protegido pela banalidade do mal e nunca foi responsabilizado pelo seu ato. Ele se chamava Karl Silberbauer. Tinha 22 anos e pertencia à tropa da SS. Depois da guerra foi incorporado à polícia da Alemanha.

Foi o jogo jogado. Afinal, Kurt Waldheim, um oficial do Exército alemão metido com atrocidades cometidas na Iugoslávia, acabou na secretaria-geral das Nações Unidas e elegeu-se presidente da Áustria em 1971. Werner von Braun, que fabricava bombas para os alemães com mão de obra de um campo de concentração, foi um dos cérebros que levaram o primeiro homem à Lua.

Um tesouro na rede

Está na rede a dissertação de mestrado de Blima Rajzla Lorger intitulada "Brasileiros no Holocausto e na Resistência ao Nazifascismo".

Pesquisando nos abundantes arquivos do período e valendo-se das memórias de sobreviventes, ela produziu um tesouro. De um lado mostrou os 42 brasileiros mortos nos campos de extermínio nazistas. De outro, mostrou que pelo menos 81 brasileiros estiveram na Resistência francesa e 15 morreram.

Os judeus assassinados tinham nascido no Brasil ou tinham passaportes brasileiros. Por algum motivo, estavam na França ou em territórios controlados pelos alemães.

O cearense Isaac Gradvohl, figura destacada na vida de Fortaleza, vivia com a mulher em Paris. Morreram no campo de Auschwitz no dia 2 de novembro de 1942 —no mesmo dia a polícia da ditadura de Getúlio Vargas varejou o Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, prendendo 30 estudantes.

Em 1944, quando o governo de Vargas limitou a concessão de passaportes a brasileiros "de origem semítica", 17 brasileiros que viviam na França foram deportados para Auschwitz.

No dia 24 de julho os alemães fuzilaram o paulista Claude Falk, tenente das tropas francesas que combatiam na resistência. Em agosto, o cearense Michel Dreyfus, combatente da Resistência francesa, foi fuzilado, e o carioca Benjamin Levy, com a mulher e a filha foram mandados para o campo de Bergen-Belsen.

Em março de 1945, Hitler estava trancado no seu bunker de Berlim, e Getúlio Vargas deu uma entrevista admitindo continuar no governo, pelo voto. Na véspera, morreu no campo de Gusen II, o jovem gaúcho Jacobo Dentici, combatente da Resistência italiana. No dia seguinte, no campo de Buchenwald, morreu o paulista Robert Lepelerie, da Resistência francesa.

Em abril o Supremo Tribunal Federal anulou as sentença da ditadura de Estado Novo e dias depois foi executado o judeu Francisco José Messner, que havia sido vice-consul do Brasil em Viena até 1931.

A guerra estava acabando. No dia 6 de maio de 1945 Hitler já estava morto e a Alemanha estava a horas da rendição, quando o campo de Ebensee, onde estava o carioca Hubert Aron-Martin, foi libertado.

Desde janeiro, ele já havia passado por outros dois. Morreu livre, duas semanas depois. No dia seguinte o repórter Ed Miller, da Associated Press, furou o embargo da censura militar dos Aliados e anunciou que a guerra tinha terminado.

Blima Lorber registra que em março de 2018, a octogenária Mireille Knoll foi morta em Paris por ser judia. Em 1942, na França, ela tinha dez anos quando seus pais conseguiram fugir, escondendo algumas joias na sua boneca.

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