Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Legado de Biden depende de construção de rede de energia limpa

Descarbonização é projeto que, dada a dimensão, não perde para implantação da malha rodoviária interestadual

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The New York Times

Quando o verão do hemisfério Norte começou, a administração Joe Biden estava atolada em fracassos. A inflação estava alta; o programa Build Back Better estava defunto, e os democratas estavam condenados.

Então veio a reviravolta mais rápida que já vi acontecer na política americana. Foram aprovadas em pouco tempo a lei Chips (seguro médico para crianças) e a de Redução da Inflação; o presidente cancelou bilhões de dólares de dívida estudantil; o preço da gasolina caiu; o índice de emprego continuou a subir; e os democratas começaram a ter resultados melhores que os republicanos em eleições especiais. Palmas para Dark Brandon [meme sobre Biden].

Carcaça de caminhonete elétrica da Ford em produção em fábrica no Michigan - Rebecca Cook - 16.set.21/Reuters

Alguns presidentes estamparam conquistas importantes no código tributário, na linguagem regulatória, em programas de seguridade social. Se Biden conseguir seu intento, seu legado será atipicamente físico: estações de recarga de veículos elétricos, fábricas de baterias, turbinas de vento e painéis solares, milhões de casas aquecidas por bombas de calor, milhares de quilômetros de linhas de transmissão de energia, novas centrais de pesquisa e desenvolvimento de energia de hidrogênio. "Build back better" (reconstruir melhor), de fato.

Mas tudo isso está apenas na imaginação, por enquanto. A aprovação das leis não garante a realização dos objetivos. O legado do presidente e o futuro climático também vão depender do que realmente chegar a ser construído e com que rapidez.

A lei de infraestrutura, a de Redução da Inflação e a CHIPS somam US$ 450 bilhões em investimentos, subsídios e garantias de empréstimos para energia limpa. É muito dinheiro, embora menos do que Biden esperava conseguir e muito menos do que ativistas queriam.

Mas não é só dinheiro. Em conversas com assessores do democrata, ouvi a estratégia climática descrita como um banquinho de três pés. Os investimentos são um deles. Outro são os padrões —programas estão cheios de cláusulas exigindo que uma proporção xis dos carros elétricos seja fabricada nos EUA, criando prêmios pela criação de empregos em áreas de baixa renda.

O terceiro pé é formado por coordenação e o planejamento: criar estruturas e reservar dinheiro para obter a cooperação do grande número de partes interessadas que precisam trabalhar juntas para que qualquer coisa seja construída.

É um banquinho instável. A perna do dinheiro é mais longa e firme que as outras.

As linhas de transmissão são um bom ponto concreto para aterrar tudo isso (desculpem a piadinha). A estratégia de descarbonização é fundamentalmente a seguinte: a maioria dos carros, das casas, prédios e indústrias é movida hoje por combustíveis fósseis. No futuro, serão movidos por eletricidade limpa.

Mas neste momento 60% da eletricidade que usamos vem de combustíveis fósseis. Precisamos reconstruir nossa rede de energia elétrica em torno de fontes limpas, e então triplicar ou quadruplicar a quantidade total que geramos.

"Muito disso precisa ser construído no lugar onde estão os recursos", diz Liza Reed, do Niskanen Center. "Ou seja, onde estão os recursos solares, eólicos ou geotérmicos." Isso requer a construção de muito mais linhas do que há hoje, mas o modo como se as constrói hoje é péssimo.

Não existe uma estrutura única de planejamento ou participação comunitária e não há abordagem aceita para remunerar as comunidades ou os estados que abrigam infraestrutura da qual não se beneficiam diretamente.

Há verbas na Lei de Redução da Inflação para incentivar reguladores e concessionárias a serem mais ambiciosos e cooperativos, mas não autoridades ou estruturas novas para possibilitar amanhã o que foi impossível ontem.

E isso é apenas no tocante à transmissão elétrica. A base da estratégia de descarbonização é um programa quase inimaginavelmente grande de construção de infraestrutura de energia eólica e solar. Em números: um caminho plausível, segundo modelo da Universidade Princeton, prevê que essa infraestrutura ocupe 590 mil quilômetros quadrados –ou Connecticut, Illinois, Indiana, Kentucky, Massachusetts, Ohio, Rhode Island e Tennessee somados. "A pegada [de carbono] é muito, muito grande, e as pessoas não entendem isso", diz Danny Cullenward, coautor de "Making Climate Policy Work".

Não se constrói nessa escala há décadas nos EUA. A descarbonização é um projeto de construção que não perde para a eletrificação ou a construção da malha rodoviária interestadual. E, embora haja dinheiro público e privado para ela, não há uma abordagem integrada a seu planejamento e execução.

Outros países contam com planejamento muito mais centralizado pelo governo nacional, mas os EUA não possuem nem a autoridade nem a capacidade para isso.

Aposta-se na cooperação, em parte lubrificada por dinheiro. Mas isso precisa acontecer numa escala e com uma rapidez diferentes de qualquer coisa recente. Como sistemas fraturados, com dificuldade em concluir obras, vão conseguir começar a construir mais projetos, em ritmo cada vez mais veloz?

Isso será o foco das lutas que ainda estão por vir —e uma delas está vindo muito em breve. O acordo que o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, fechou com o democrata Joe Manchin para aprovar a Lei de Redução da Inflação incluiu uma promessa de anexar uma legislação separada que enxuga revisões ambientais e autoriza a aprovação de legislação obrigatória.

O pacote já divide políticos com visão climática forte. Alguns se opõem a ele, como o independente Bernie Sanders, enquanto outros são a favor, caso dos democratas Brian Schatz e Ron Wyden.

Não há um texto final, mas pessoas a par dele descrevem quatro componentes principais. Primeiro, um esforço para acelerar revisões ambientais de projetos energéticos, limitando-as a dois anos, reduzindo para 150 dias o prazo no qual podem ser abertas ações judiciais e designando uma agência para coordenar o processo —semelhante às reformas de Obama para obras de transportes.

Em segundo lugar, uma lista pública de 25 projetos designados como estrategicamente importantes, embora a inclusão na lista não isente os projetos de revisões ou regulamentação. E são os dois dispositivos seguintes que têm peso maior, negativo e positivo. Há uma fórmula especial para acelerar o gasoduto Mountain Valley, projeto de gás natural importante para Manchin (e seus doadores), mas repudiado por ambientalistas. E todo um conjunto de reformas para dar mais poder ao governo para planejar, construir e distribuir os custos de linhas de transmissão energética nacionais e inter-regionais.

Tendo a torcer para que o projeto seja aprovado, por três motivos. O primeiro é que a autorização enxuta vai fazer mais para acelerar a energia limpa do que para incentivar o uso de combustíveis fósseis. Nova infraestrutura de energia limpa será construída muito mais rapidamente e em escala muito maior que nova infraestrutura de energia fóssil.

Em segundo lugar, reforçar a capacidade do governo de autorizar e financiar linhas de transmissão multiestaduais é uma vitória muito maior para a descarbonização do que é a derrota representada pela conclusão de um único gasoduto: os dispositivos sobre Mountain Valley são uma exceção em um único projeto, enquanto a nova autoridade é uma mudança estrutural.

Em terceiro lugar, essa foi a barganha que garantiu o voto de Joe Manchin. Os democratas vão controlar a Câmara e o Senado até janeiro. Há uma boa chance de que conservem o controle do Senado nas midterms e uma chance pequena de que também mantenham o da Câmara.

Qualquer coisa que quiserem aprovar só com os votos democratas necessitará do voto de Manchin. E, se eles descumprirem o acordo, não vão conseguir. Essa é uma ameaça maior à legislação climática futura —e a todo o resto que consta da pauta democrata— que qualquer coisa contida no pacote.

Agora tem início o trabalho árduo. Será preciso que muita coisa dê certo para que essas leis cumpram o que prometem. Biden não poderá resolver tudo isso sozinho.

Tradução de Clara Allain

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