Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

A Folha persegue Bolsonaro?

Papel do jornalismo não é implicar com o poder, tampouco compor com ele

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Em uma sexta-feira de março de 1990, a Polícia Federal invadiu o prédio da Folha de S.Paulo sob pretexto de buscar irregularidades na empresa. Era o começo do governo de Fernando Collor de Mello.

O jornal reagiu com um duro editorial no qual chamava os invasores de "assassinos da ordem jurídica".

Em sua coluna, o ombudsman da Folha à época, Caio Túlio Costa, dizia: "Foi um jornal que manteve independência total em relação à candidatura Collor. Foi o primeiro jornal a ser 'visitado' pela polícia. Não é preciso dizer mais nada".

Ilustração para a coluna da ombudsman
Carvall

Quase 30 anos depois, a Folha é eleita adversário a ser combatido, desta vez pelo governo de Jair Bolsonaro.

Cumprindo o que prometera, o presidente anunciou que vai excluir a Folha de licitação de assinaturas digitais. 

O presidente também disse que boicota produtos de anunciantes do jornal e recomendou à população que faça o mesmo.

A decisão do governo não se explica por sua postura ideológica. A licitação inclui, por exemplo, o jornal The New York Times, inimigo número 1 do ídolo de Bolsonaro, o presidente Donald Trump.

O edital divulgado sinaliza que o governo busca manter o acesso institucional a veículos da imprensa nacional e internacional, provavelmente para manter-se informado sobre fatos em geral e em relação à repercussão de suas ações.

Se esta é a finalidade, dizem especialistas, não há sentido jurídico na exclusão de um veículo que se encontra entre os principais do país, podendo o ato configurar "desvio de poder". No sábado (30), o edital parecia não constar no Diário Oficial.

Por que a Folha?

Alguns leitores dizem que o jornal persegue Bolsonaro, ecoando frase do presidente: "Quero pedir à Folha que retrate todos os males e calúnias que fez contra a minha pessoa". 

Bolsonaro confunde "males e calúnias" com jornalismo, cujo fim não é perseguir o poder, tampouco compor com ele. 

Em janeiro de 2018, a Folha noticiou que Bolsonaro usava verba da Câmara para empregar em seu gabinete pessoa que prestava serviços em sua casa de veraneio e tinha um pequeno comércio em Angra Dos Reis (RJ): a "Wal do Açaí".

O presidente diz que a mulher estava em férias, mas a reportagem voltou ao lugar e encontrou Wal na mesma situação: vendendo açaí

Durante a campanha presidencial, reportagem dizia que empresários apoiadores do então candidato Bolsonaro bancaram o disparo em massa de mensagens contra o petista Fernando Haddad, o que configura crime de caixa dois.

Dias depois, o UOL mostrou que o PT também usou o sistema de envio de mensagens em massa, ferramenta vedada pela lei eleitoral. Haddad acabou multado pelo TSE.

E Bolsonaro? Repórteres da Folha se colocaram à disposição da Justiça para relatar o que apuraram, mas o pedido para que testemunhassem em processo foi indeferido.

Há pouco mais de um mês, o próprio WhatsApp admitiu que a eleição de 2018 teve uso de envios maciços de mensagens, com sistemas contratados de empresas.

A Folha revelou ainda o esquema de candidaturas de laranjas do PSL e tem publicado série de reportagens a partir das mensagens obtidas pelo The Intercept, que levantaram dúvidas sobre a imparcialidade do então juiz e hoje ministro de Bolsonaro, Sergio Moro

Leitores questionam se a Folha é de esquerda, por isso miraria o governo atual.

Para ficar em dois exemplos, o mensalão do PT e o caso do sítio de Atibaia frequentado por Lula foram furos da Folha. Em editorial, o jornal disse que Dilma Rousseff perdera as condições de governar o país

Além disso, quem acompanha os editoriais mais recentes sabe que a Folha tem apoiado as reformas econômicas propostas pelo governo Bolsonaro—assim como lá atrás aprovava a "audácia do presidente Collor na edição de medidas econômicas".

Matérias produzidas pela Folha costumam ouvir a defesa da urgência das medidas. 

Voltando à licitação, ela inclui 24 jornais e é estimada em R$ 131 mil, o que é pouco em termos financeiros. Mas a discussão não é sobre dinheiro.

A inédita atitude de Bolsonaro reforça os laços com seus apoiadores, mas não está à altura do cargo que ocupa.

São atitudes que nivelam o jornalismo ao barulho das redes sociais e buscam minar um dos pontos que diferenciam a imprensa profissional de outros meios: a credibilidade.

Por parte da imprensa, os jornais parecem ter normalizado o comportamento de Bolsonaro e sua equipe em nome da recuperação econômica. 

Os ataques à ordem jurídica revelam, contudo, que não há política econômica que justifique a complacência com arbitrariedade e autoritarismo. 

Desta vez, não se trata de uma invasão. São pequenas ou grandes perseguições que escondem um movimento voltado ao desprestígio das instituições.

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