Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu

No restaurante por quilo, Deus morreu, e tudo ali é permitido

Duvido que outro tipo de estabelecimento permita juntar no prato sushi, kafta e estrogonofe

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A primeira coisa que vou fazer quando acabar a pandemia, se acabar a pandemia, é ir a um restaurante por quilo, se ainda houver restaurante por quilo —ou a quilo, como chamamos aqui no Rio de Janeiro. Ou isto ou aquilo, o quilo é coisa nossa, e não pode morrer.

Não sei dizer se há, em outros lugares do mundo, restaurantes com buffet e balança. Deve haver. Tem de tudo nesse mundo. Duvido, no entanto, que haja algum restaurante no mundo que sirva sushi, kafta e estrogonofe —e permita ao cliente juntá-los num mesmo prato.

O quilo não julga ninguém. Num quilo, você pode ter certeza de que o funcionário que fica atrás da balança jamais lançará sobre o seu prato qualquer olhar de reprovação. Faz parte da ética profissional dele: não julgarás.

Ilustração de várias coisas empilhadas em um prato branco sobre uma balança digital parecida com as balanças de restaurantes 'self-service'. É possível identificar no prato, uma omelete, batata frita, salada, uma panela com feijoada, a cabeça do Rodrigo Hilbert com um raminho de folhas apoiado na orelha, um pastel, um espeto de carne, um peixe, um niguiri de salmão e um cafézinho em um copo de plástico no topo.
Publicada nesta quarta-feira, 14 de abril de 2021 - Catarina Bessel/Folhapress

No quilo, Deus morreu, e tudo é permitido. Não se trata, no entanto, de uma orgia americana “all you can eat”. Isso também existe por aqui: é o quilo sem balança, onde o buffet é liberado. O quilo tradicional vem com o desafio de fazer caber todas suas paixões no prato e no orçamento.

Ao lado da casa da minha avó tinha um restaurante perfeito, com nome impecável: Fi-lo Porque Quilo. Meu pai tinha ideias pouco convencionais para ele. Lembro quando sugeriu ao dono que não pesassem os pratos, mas as pessoas, uma vez na entrada e outra na saída do restaurante. Aquilo era brilhante, pensei.

Poucos lugares sofreram tanto na pandemia. Num quilo tradicional, senta-se à mesa com desconhecidos, cada qual com suas neuroses expostas sobre a mesa. Prova-se, sorrateiramente, uma batata noisette do rechaud. A insalubridade faz parte da experiência. Ah, que saudade da insalubridade.

“Vamos num quilo?”, diziam, e todos topavam, porque ali seriam felizes. Ao chegar, seu prato preferido já estava lá te esperando, quentinho. Gostava de dar uma volta olímpica no buffet antes de me servir para não correr o risco de me deparar com o estrogonofe já de prato cheio, impossibilitado de dar a ele o leito que merece.

Conforta saber que, nas sobremesas, nunca faltará um pudim de leite ou, melhor ainda, o famigerado brigadeirão. O café, via de regra, não se cobrava, cortesia a ser tomada no saudoso copinho de dois dedos, que na época não sabíamos que ficaria para sempre nos oceanos, e nossa ignorância permitia desfrutá-los sem culpa. Saudade, também, dessa ignorância.

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