Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Descrição de chapéu

Mediocridade literária brasileira ignora músicos e futebolistas em biografias

Neymar, que despreza livros em geral, provavelmente nunca leu nenhuma das 12 obras já lançadas sobre a própria trajetória

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O Brasil vem perdendo grandes artistas no último mês. No dia 9 de novembro se foram Gal Costa e Rolando Boldrin. No último 22 morreu Erasmo Carlos. Nenhum dos três tem uma biografia escrita em formato de livro.

Em países como os Estados Unidos, antes mesmo da morte, artistas desse quilate já teriam algumas biografias publicadas. Mas o Brasil é um país iletrado. Isso se comprova não apenas pelo baixo nível educacional da população, mas também pela pobreza do mercado de biografias no país.

Em época de Copa do Mundo, percebe-se o mesmo drama quando olhamos para nossos ídolos da bola. Pelé até tem muitas biografias, de qualidades oscilantes. Mas cadê biografias de, por exemplo, Didi, Rivelino, Jairzinho, Romário, Adriano e Ronaldinho Gaúcho? Não há sobre esses jogadores nada mais denso do que um perfil de Wikipedia. Poucos, como Garrincha, podem se dar ao luxo de ter uma biografia de peso, como a magistral "Estrela Solitária", escrita por Ruy Castro.

As semelhanças entre música e futebol no campo das biografias não param por aí. Quando artistas e futebolistas conseguem ganhar a atenção de autores e público letrado, como aconteceu com o cantor Roberto Carlos e o jogador Neymar, ambos demonstraram pouco afeto para com os livros.

O rei da música popular censurou a biografia "Roberto Carlos em Detalhes", lançada em 2006 pelo historiador Paulo César de Araújo, transformando o autor e a obra num libelo da luta pelas liberdades civis na história recente do Brasil. Derrotado nos tribunais, Roberto viu Paulo César lançar em 2021 a antológica biografia "Roberto Carlos: Outra Vez", versão aprofundada e ampliada do original.

Neymar já foi objeto de 12 livros dentro e fora do país. No Brasil, tem obras publicadas por jornalistas respeitados como Mauro Beting e Paulo Vinícius Coelho. Não se conhece nenhum tipo de censura do jogador às obras. Mas terá Neymar lido as obras sobre ele mesmo? Diante do desprezo do jogador por livros em geral, é improvável.

Recentemente pudemos constatar o que significam os livros para o mais importante jogador brasileiro da atualidade. Em janeiro deste ano foi lançado "Neymar, O Caos Perfeito", documentário autorizado sobre o craque na Netflix. Uma passagem assustou os espectadores mais atentos.

homem com camisa amarela em campo
Neymar em 24 de novembro de 2022 - Xinhua/Meng Dingbo

Logo no começo somos convidados a presenciar o aniversário de Davi, filho do jogador com sua ex-mulher Carol Dantas. Neymar conta a amigos que o menino pediu-lhe uma patinete de presente. No entanto, para sacanear o próprio filho, Neymar e Carol em conluio tiram o objeto da caixa e enchem-na de livros. Diante da frustração da criança, mãe e pai caem na risada. A palavra escrita é piada para Neymar. Para o menino Davi, ficará essa memória traumática em relação aos livros.

A pouca intimidade com a palavra escrita leva a crer que Neymar nunca tenha lido um livro na vida. A leitura nunca foi o ponto forte dos nossos jogadores. Em época de redes sociais, cada vez menos os jovens artistas da bola têm tempo e vontade de se aproximar de textos mais densos que um tuíte. Livros são, nos dias de hoje, objetos risíveis em um país iletrado que nem sequer tem consciência de sua mediocridade.

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