Descrição de chapéu
Moda Gal Costa

Gal Costa foi grande sex symbol tropical com suas roupas jovens e ousadas

Artista assumiu o black power no início da carreira e nunca escondeu a própria nudez, mesmo durante a maturidade

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Maria Claudia Bonadio

Historiadora e professora do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora e autora dos livros 'Moda e Sociabilidade' (Senac, 2007) e 'Moda e Publicidade' (NVersos, 2014)

Juiz de Fora (MG)

Uma fala do cantor Tom Zé, que se apaixonou por Gal Costa ainda na Bahia e foi seu namorado na juventude, para a série documental "O Nome Dela É Gal" evidencia que, recém-chegada a São Paulo em meados dos anos 1960 e ainda não conhecida do grande público, já era arrojada em suas roupas.

O cantor relata que, certa feita, andando pelo centro de São Paulo, observaram que muita gente olhava para a cantora que usava calça jeans. No momento não entenderam a razão de tamanho frisson. Só depois souberam que no período, para os conservadores, usar calça jeans era "coisa de puta".

A cantora Gal Costa - Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manhã

No palco, começou discreta na música e no visual, mas se juntou com Dedé Gadelha, então mulher de Caetano Veloso, para inventar uma roupa impactante —elaborada pela estilista Regina Boni— e encarnar Janis Joplin na interpretação de "Divino Maravilhoso" no Festival da Record em 1968.

Era o auge do tropicália e Gal entendeu que, tal como na icônica capa do disco de mesmo nome, para ser tropicalista era preciso também deglutir a moda jovem da "swinging London" e a misturar com o som da música brasileira. Foi então que se apresentou com uma roupa decorada com espelhos, trazendo brilho e movimento à performance.

Foi também nesse período que ela trocou o cabelo curto e alisado dos princípios da carreira para assumir o estilo black power, em diálogo com a liberação dos costumes que aconteciam no período. Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada. Gal já não queria domar os cabelos, aliás, não queria mais a imagem de "moça comportada" —suas roupas e visual podem ter escapado da perseguição da repressão do governo militar, mas eram pura revolução e oposição.

No auge do desbunde, já nos anos 1970, reunia os amigos nas "dunas da Gal" na praia de Ipanema e dali saía para o show onde usava saias com recortes profundos que exibiam suas coxas enquanto cantava e tocava violão. Era livre com seu corpo, e este era parte do espetáculo muito antes do pop tornar isso uma regra.

Tal liberdade, entretanto, incomodava os mais conservadores nos tempos da ditadura militar. A capa de seu álbum "Índia", de 1973 foi censurada. O motivo —a fotografia do encarte mostrava sua virilha em close, coberta por uma tanga vermelha. O jeito foi cobrir a capa com um saco plástico para não tirar o LP de circulação.

Em uma viagem a Buenos Aires, já no final da década de 1970, seu então produtor, Guilherme Araújo, observou que ela estava mudando o jeito de se vestir e foi esse novo visual que teria sido o ponto inicial da ideia para o "show tipo exportação" denominado "Gal Tropical".

Capa do disco 'Índia', de Gal Costa, lançado em 1973 - Reprodução

O espetáculo dava uma guinada na sua carreira, fazendo de Gal uma cantora para as massas, como seria durante a década de 1980. Sucesso de público, o show estreou em 1979 e ficou em cartaz por mais de um ano. A nova sonoridade, mais carnavalesca e dançante, pedia uma cantora mais glamorosa, e assim o figurino do show foi criado pelo costureiro de luxo Guilherme Guimarães, morto em 2016.

Quando em 1994 mostrou os peitos no show dirigido por Gerald Thomas —o que teria surgido de uma ideia dela—, já não era a sex symbol dos tempos de juventude, mas tinha maturidade para dar "o peito a bater" ao interpretar a música "Brasil" de Cazuza.

Muito discreta sobre sua vida afetiva e sexual, Gal não gostou quando a também cantora Marina Lima revelou à imprensa que ambas tinham namorado. Caretice? Penso que não, pois tão revolucionário no palco, nada mais justo do que tentar separar vida pessoal da vida pública.

Era uma mulher pioneira, mas ainda assim reservada, deixando claro que para ser revolucionária não era preciso mostrar a intimidade no Instagram ou em revistas de famosos. Sua janela era o palco; as capas dos álbuns —em muitos dos quais insinuou a nudez e esbanjou sensualidade, mesmo mostrando apenas rosto e as saboneteiras em seus ombros— e seu corpo eram a revolução.

Acompanhar as mudanças da imagem de Gal é entender um pouco a história da liberação sexual e comportamental das mulheres a partir da segunda metade do século 20. Se não bastasse a beleza de sua voz, Gal também cantava com suas roupas, que eram pura música.

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