Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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É função do Estado promover shows?

Há de se pensar formas menos tuteladas e, sobretudo, sem as somas exorbitantes de verba que essas festas demandam

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No início desta semana, duas notícias veiculadas pela Folha de São Paulo acerca de grandes festas públicas movimentaram as redes sociais. O que quase ninguém colocou em pauta é a necessidade de prefeituras e estados organizarem eventos culturais massivos.

Foi no início desta semana que o prefeito de Fortaleza, José Sarto, do PDT, cancelou o show da dupla sertaneja Victor & Leo do São João da cidade. Pesou na decisão o fato de Victor Chaves ainda responder na Justiça por agressão à sua ex-mulher.

Muitos dos internautas também argumentaram que Victor e Leo seriam pouco representativos do São João nordestino. Tanto o prefeito quanto os internautas comungaram da ideia de que prefeitura deve organizar um evento desse porte, discordando eventualmente apenas dos nomes elencados.

Com atraso de 40 minutos, público acompanha show de Pabllo Vittar no Vale do Anhangabaú, durante a Virada Cultural, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

A segunda polêmica envolveu a Virada Cultural paulistana, que ocorreu no fim de semana passado. Em matéria assinada por Guilherme Luis e Gustavo Zeitel, esta Folha publicou um balanço da festa sob o título de "Virada Cultural de São Paulo acaba como museu, com vários artistas ultrapassados".

A professora da USP, Lilia Schwarcz, influente nas redes sociais, escreveu uma crítica que conseguiu mais de vinte mil curtidas e foi muito compartilhada: "O que significa uma manchete de jornal afirmar que uma atividade cultural ‘acaba como museu, com artistas ultrapassados’? Por que será que devolvemos estereótipos quando o objetivo é conseguir likes com uma frase chamativa? (...) Aproveito para me opor a essa visão de museus (elitista e ultrapassada) contida no título do jornal."

O que a professora colocou em pauta tem sua pertinência. Mas ela não fez nenhuma ponderação ao texto em si, apenas ao título. Acabou se aproximando muito da crítica feita nas redes sociais na atualidade, que não aprofunda debates a partir de leituras textuais, mas apenas se posiciona frente a manchetes escandalosas.

Em ambos os casos, tanto no Ceará quanto em São Paulo, não se colocou em pauta por que o governo deve organizar festas públicas. Quando o Estado gasta organizando festas massivas, é o meu e o seu dinheiro que está sendo usado. Assim, com uma canetada, onera-se os recursos públicos com gastos baseados no gosto do prefeito ou governador de plantão. E sobra menos para saúde, educação e segurança.

Há alguns anos, houve grande contestação ao fato de sertanejos terem seus shows bancados por prefeituras minúsculas do interior. A indignação era justa, mas muitos se indignaram apenas porque Gusttavo Lima, um dos pivôs da crise, era bolsonarista.

E quando o governo atua como querem os progressistas, aí vale o dirigismo cultural? Se seu artista preferido for contemplado pela Secretaria de Cultura municipal, então está certo a prefeitura custear a festa? Ou quando seu artista odiado perde as bênçãos estatais, aí vale a intromissão estatal?

A intenção dos shows massivos em praça pública é sempre boa: levar cultura à população. Trata-se de uma visão tutelada da cultura. É como se o povo fosse mero receptor, e não capaz de produzir arte. E quem ganha com isso são os grandes artistas, seja Victor e Leo, ou quem vier a substituí-los, no caso do Ceará, seja Joelma ou Pabllo Vittar, na Virada Cultural paulista.

Alguns argumentam: está na Constituição que o Estado deve proporcionar cultura aos cidadãos. Mas a única forma de estimular a cultura popular é realizando shows em praça pública? Há de se pensar formas menos tuteladas e, sobretudo, sem envolver somas exorbitantes de verba que essas festas demandam.

Outros argumentam que festas massivas trazem verba para o estado. Mas se os shows trazem tanto benefício assim para cidade, não poderia a sociedade civil organizá-los? Bastaria ao Estado proporcionar o espaço, segurança e saúde pública. Essa é a obrigação do Estado, não a de pagar por músicos, palcos, luz, som e cachês de cantores famosos ou grupos carnavalescos.

Não se trata de abolir o Estado da cultura. A criação de museus é um exemplo de gasto estatal que gera maiores benefícios culturais, que não se esvaem ao sabor de uma noite. Quantos museus e casas de cultura poderiam ser sustentados com a verba da Virada paulistana ou do São João de Fortaleza?

Outra forma de estimular a cultura seria construindo escolas de música e teatros pela cidade, especialmente nas periferias. Ou ainda a contratação de artistas para fazerem oficinas em escolas e comunidades de bairro. Ou mesmo o estímulo de música e teatro ao ar livre em praças públicas, para públicos menores, que desfrutariam mais da intimidade com um artista menos inalcançável. Tudo isso também é cultura.

Desde os anos 1980 criou-se no Brasil a estética de festa massiva que quase sempre depende do Estado para se realizar. São João, Carnaval, Ano Novo, Virada Cultural são algumas das mega festas financiadas pelo Estado anualmente. Recentemente o show da Madonna também contou com dinheiro da prefeitura carioca.

Até quando essa será a visão hegemônica de fomento cultural no país?

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