Helio Beltrão

Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

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Helio Beltrão
Descrição de chapéu Rússia

Sanções atômicas deixam padrão-dólar sob pressão

Desde 1944 moeda americana tem sido hegemônica no sistema financeiro internacional

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As sanções contra a Rússia, em especial o confisco das reservas internacionais e o banimento do sistema financeiro internacional, devem gerar uma "desdolarização" gradual do sistema financeiro internacional e o declínio do padrão-dólar.

Como mencionei na coluna passada, a violação da imunidade soberana das reservas internacionais pelos países do G7 é uma sanção atômica, sem precedentes contra países com economias significativas.

As reservas internacionais são detidas pelos bancos centrais e constituem o "dinheiro externo" que avaliza e garante o "dinheiro interno" do país, os rublos, no caso da Rússia. Por isso, a doutrina tradicional dos banqueiros centrais desde o século 17 é que as reservas devem ser constituídas pelos ativos mais seguros e líquidos possíveis. Sem o aval das reservas, a moeda nacional despenca contra moedas fortes e sofre inflação descontrolada, como meros papelinhos ao vento, sem âncora.

Cédula de dólar e cédula de rublo lado a lado
Guerra na Ucrânia e sanções contra a Rússia deixam padrão-dólar sob pressão - Dado Ruvic/Reuters

Desde 1944, o sistema financeiro internacional é baseado no dólar, presente em cerca de 90% das transações de câmbio no mundo e em 60% das reservas internacionais. As reservas em dólar são usualmente compostas por títulos do Tesouro americano, considerados tão bons quanto dinheiro vivo... ou assim se acreditava.

Além disso, o sistema financeiro baseado em Nova York intermedeia a maior parte do comércio internacional e transações financeiras do mundo, mesmo entre terceiros países. Ao bloquear o acesso ao sistema financeiro, virtualmente cessa o comércio do país sancionado.

De uma tacada, o G7 bloqueou as reservas em euros, dólares, francos suíços, libras, do pária mundial, a Rússia. É medida importante para deter Putin, mas gera danos colaterais graves.

Bens que se julgavam seguros evaporaram. O mundo descobriu que o sistema financeiro internacional não é neutro, respeitador de imunidade soberana e da propriedade, mas sujeito a considerações geopolíticas. Ocorreu uma ruptura entre a titularidade da propriedade, de um lado, e de sua custódia, do outro. Quem controla a custódia e os meios financeiros é o verdadeiro dono em última instância. A geopolítica americana, por meio do seu controle do sistema financeiro, pode determinar a cada instante quem merece continuar a deter o título de proprietário. É uma descoberta com consequências dramáticas.

Alguns podem pensar que apenas párias mundiais devem temer confiscos. Não é bem assim. Desde o 11/9, os EUA têm transformado seu "exorbitante privilégio" —como Giscard D’Estaing denominava o padrão-dólar— em uma arma de braços longos que estende sua lei e vontade política contra inúmeros países, à revelia do direito internacional.

No mês passado, Biden assinou um decreto presidencial confirmando o confisco das reservas internacionais do Afeganistão, que serão usadas para compensar vítimas do 11/9 e para ajuda humanitária, a critério do governo americano.

Em 2018, governos europeus reagiram com horror quando os EUA saíram unilateralmente do acordo nuclear multinacional com o Irã e ameaçaram banir do sistema financeiro companhias de países europeus que fizessem negócios com o Irã, mesmo cumprindo o acordo.

É, portanto, racional que o banco central da China, que detém quase US$ 2 trilhões em títulos do Tesouro americano, venda parte dos títulos em troca de ativos que não sejam passivo de terceiros. Ouro e commodities podem ser beneficiados. O próprio Banco Central do Brasil deveria refletir se faz sentido manter as reservas de US$ 360 bilhões estacionadas em dólar ou euro, uma vez que podem ser "ponto de pressão" por interesses geopolíticos ou comerciais pelos Estados Unidos.

Lamentavelmente, a China e o yuan tendem a se beneficiar pela "desdolarização" decorrente do uso de armas financeiras nucleares.

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