Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Hélio Schwartsman
Descrição de chapéu jornalismo mídia

Monstros

Livro discute como comportamento moral de artistas afeta a apreciação de suas obras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Depois de ler a coluna de João Pereira Coutinho e o texto de Gabriel Trigueiro sobre "Monsters" na Folha, achei que deveria enfrentar a obra de Claire Dederer. Fiquei um pouco decepcionado. Não é que o livro não traga reflexões interessantes sobre como a biografia de artistas afeta a apreciação de sua obra. A autora começa mostrando como ela própria faz para conciliar sua ojeriza moral a Polanski, o "estuprador anal", com o fato de ele criar ótimos filmes. O que me incomodou em "Monsters" é que o tom é memorialista demais, a ponto de esconder o que deveria ser óbvio.

Ninguém exige que o judeu sobrevivente de campo de concentração aprecie Wagner ou que a militante feminista seja fã de Schopenhauer. Na verdade, ninguém precisa justificar por que não "consome" um determinado pensador ou artista. A vida é curta demais para ler, ver e ouvir tudo. Mas, para os que se propõem a analisar obras criticamente, penso ser indispensável pelo menos tentar separar o autor do trabalho avaliado.

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 20 de agosto de 2023, mostra, sob um fundo vermelho, um homem visto de costas; ele tem cabelos claros e usa terno preto, camisa azul clara e botas marrons; olha em direção a um espelho de chão que tem moldura em madeira com detalhes dourados; no reflexo do espelho há um monstro que usa roupas idênticas, mas tem a cabeça em forma de caveira, sem olhos nem nariz, e uma  dentadura saliente com grandes dentes cerrados; suas mãos são enormes, com dedos longos e unhas pontudas.
Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman publicada na versão impressa da Folha de S.Paulo neste domingo (20 de agosto de 2023) - Annette Schwartsman

Ainda que num plano psicológico seja impossível fazê-lo inteiramente, a crítica é um exercício técnico em que as obras devem ser interpretadas como se fossem autônomas em relação a quem as criou. Se deixarmos que as biografias deem as cartas, não sobraria muita gente (essa é uma reflexão que Dederer faz; em algum grau, somos todos um pouco monstros, conclui ela). E é fácil ver que a posição moralista levaria a paradoxos. Basta lembrar que existem muitos cientistas cujo comportamento pessoal é reprovável, mas isso não invalida suas teorias.

Penso que a crítica tem um parentesco com o jornalismo. A objetividade é uma meta inatingível, mas nem por isso devemos nos dar por derrotados e já começar uma reportagem vestindo o chapéu do militante. Fazê-lo piora em vez de melhorar o jornalismo.

"Monsters", ao enfatizar demais a dimensão única de cada fã (ou hater), acaba atenuando o mais essencial.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.