Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ian Bremmer

Esqueça o brexit: a União Europeia tem novos desafios a enfrentar

Itália, Polônia, Hungria e Áustria têm governos populistas que desafiam a ortodoxia do bloco

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Membros do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, França, durante votação - Vincent Kessler - 29.mar.2019/Reuters

Com toda a atenção que os absurdos legislativos incessantes e os ferimentos auto-infligidos do brexit recebem, é fácil desconsiderar os desafios em longo prazo que a Europa enfrenta. Nos últimos anos, a União Europeia se provou resistente o bastante para superar, aos trancos e barrancos, as crises de dívida nacional de diversos de seus integrantes, bem como uma crise de imigração, sem sacrificar seus princípios centrais, e a humilhação que o brexit infligiu ao Reino Unido desencorajou os adversários da união em outros países a pressionar por novos planos de saída.

A União Europeia tem muito de que se orgulhar. Sua situação como maior mercado unificado do planeta faz dela uma superpotência em termos regulatórios, especialmente para as tecnologias de informação e comunicação da era digital. Poucos dos gigantes da tecnologia mundial têm sede na Europa, mas muitos de seus consumidores vivem lá. Isso permite que burocratas altamente competentes imponham regras que os gigantes da tecnologia, americanos e de outros países, não podem ignorar.

No entanto, existem divisões crescentes em termos de valores e prioridades, entre os países membros. Quatro Estados da União Europeia —Itália, Polônia, Hungria e Áustria—  têm governos populistas que, de diferentes maneiras, desafiaram a ortodoxia da união quanto a questões internas como as políticas de imigração. Os governos da Polônia e da Hungria desafiaram diretamente as definições da União Europeia quanto ao Estado de Direito —por exemplo no que tange à liberdade de expressão e independência do Judiciário.

Isso posto, alguns dos grandes desafios da Europa vêm de fora. Para começar, a aliança transatlântica chegou ao seu ponto mais baixo desde o final da Segunda Guerra Mundial, e não existe garantia de que as coisas melhorarão muito quando Donald Trump deixar o cenário.

É fácil esquecer a profundidade das divisões entre o governo do presidente americano Lyndon Johnson e o presidente francês Charles de Gaulle sobre a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), a hostilidade pública da Europa com relação a Ronald Reagan, e as respostas da França e Alemanha à guerra de George W. Bush contra Saddam Hussein. Mas a ascensão de duas gerações de europeus e americanos que não têm idade suficiente para lembrar da guerra fria cria um novo grau de dificuldade para manter a integridade da aliança.

Isso importa em parte porque Moscou agora representa novas formas de ameaça. Até recentemente, a influência russa na Europa se limitava principalmente à demanda europeia por energia russa, e os governos dos países mais profundamente dependentes mantinham políticas amistosas com relação ao governo de Vladimir Putin, enquanto os governos menos dependentes eram mais céticos. Mas o investimento e apoio da Rússia a diversos movimentos que se opõem à União Europeia insere Moscou de forma mais profunda nas vidas políticas internas dos países europeus.

As autoridades europeias advertiram publicamente que a Rússia pretende influenciar as eleições de maio para o Parlamento Europeu, ao apoiar populistas prontos a desafiar os valores políticos que são o consenso da Europa, mas não existe muito que Bruxelas possa fazer em resposta, e o abandono do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, pelos Estados Unidos e a Rússia, renovará uma corrida armamentista que solapa diretamente a segurança europeia.

A Rússia não é o único e nem mesmo o mais complexo desafio que a Europa enfrenta. "A guerra fria tecnológica" que está por surgir entre os Estados Unidos e a China, especialmente, forçará muitos países europeus a se alinharem com Washington para proteger o Estado de Direito e os direitos dos consumidores contra o uso de dados pelo Estado chinês para proteger seu modelo político autoritário.

Mas o comércio da China com, e seu investimento em, muitos países europeus já ultrapassa o dos Estados Unidos, e a distância está se ampliando. Os países membros da União Europeia dependem cada vez mais do investimento chinês, e relutarão em respeitar a abordagem regulatória mais ampla da União Europeia quanto ao setor de tecnologia, o que vai gerar mais uma divisão importante na política da União Europeia, que solapará a influência mundial da Europa.

Por fim, há o desafio especial da África. A imigração se provou a questão mais divisiva dessa geração, na política europeia. A crise de imigração de 2015-16 criou novos partidos políticos populistas, revigorou os partidos populistas existentes, e mudou o balanço do poder em quase todos os países da União Europeia. A questão se tornará cada mais importante quando o crescimento da população de jovens africanos em busca de uma vida melhor, a incapacidade dos governos africanos para manter a paz, e outras fontes de instabilidade persuadirem mais e mais emigrantes a partir.

De 2010 para cá, mais de um milhão de africanos pediram asilo na Europa. Estudos recentes demonstram que muitos dos africanos que têm a esperança de deixar seus países em breve planejam viver em outros países africanos, mas um quarto dos entrevistados diz desejar chegar à Europa. É fácil imaginar que tantos solicitantes potenciais de asilo criem novas oportunidades para que populistas inimigos da imigração - especialmente nos países da União Europeia localizados no sul do continente, o ponto de entrada para a maioria dos imigrantes —solapem a autoridade das instituições europeias. Isso é especialmente verdade quando outros dos integrantes da união se recusam a ajudá-los a arcar com o peso do processamento e assimilação.

Em resumo, Rússia, China e África criarão novas divisões entre os Estados da União Europeia, nos próximos anos - e em um momento no qual o consenso europeu sobre questões importantes já sofre desgaste extraordinário.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.