Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu partido democrata

Viagem de Pelosi expõe absurdos da relação entre EUA e China sobre Taiwan

Preocupação maior é que visita de deputada americana tenha estabelecido novos precedentes

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A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, parlamentar mais poderosa do Congresso dos Estados Unidos, voltou de uma viagem à Ásia que incluiu uma escala em Taiwan. As consequências dessa visita estão só começando.

Quando surgiram os primeiros relatos na mídia de que ela queria visitar a ilha, o regime da China começou a emitir avisos de graves consequências. Os Estados Unidos, insistiram autoridades de Pequim, estavam brincando com fogo.

Além disso, Joe Biden, o presidente americano sob pressão e líder do Partido Democrata de Pelosi, deixou claro por meio de assessores e vazamentos para a mídia que ele achava que uma escala em Taiwan era uma ideia desnecessariamente provocativa e inoportuna. Seu governo está tentando esfriar as crescentes tensões com a China, e Biden sabia que a viagem faria o oposto.

Bandeiras taiwanesas em meio ao movimento da praça da Liberdade, em Taipé - Lam Yik Fei - 10.out;21/The New York Times

Pelosi decidiu ir porque sabe que está chegando ao fim de sua carreira política e quer ser lembrada como uma líder sem medo de defender uma democracia presa à sombra de um gigante autoritário valentão.

Seus apoiadores apontam que há precedente para tal visita. Há um quarto de século, o então presidente da Câmara Newt Gingrich ignorou os avisos estridentes de Pequim e foi a Taipé, a capital taiwanesa. Mas muita coisa mudou em 25 anos. O poderio militar global dos EUA permanece incomparável, mas o próprio poderio militar da China, pelo menos em sua vizinhança imediata, é hoje muito maior.

Na década de 1990, a China teve de aceitar que as ameaças de confrontar diretamente a Marinha dos EUA não acrescentariam muito a sua capacidade de negociação. Hoje o equilíbrio de forças é muito menos claro.

E o momento é muito mais sensível, porque a China está a semanas de um congresso histórico do Partido Comunista no qual o líder Xi Jinping, arquiteto da política externa agressiva do país, coreografará sua própria coroação para um terceiro mandato que rompe com a história de governo institucional da China moderna. Este não é um momento em que o líder de Pequim vai ignorar um ato americano de assertividade que já havia denunciado.

A coisa mais importante que a escala de Pelosi em Taiwan conseguiu foi salientar mais uma vez o absurdo insustentável do acordo EUA-China sobre Taiwan. O regime chinês continua fingindo que tem o direito de forçar 23 milhões de cidadãos da democrática Taiwan a aceitar o direito do Partido Comunista de lhes impor um estado policial.

Washington continua fingindo que se preocupa tanto com o futuro de Taiwan quanto a China. A política oficial dos EUA é reconhecer que existe apenas "uma só China" em teoria, mas deixar aberta a possibilidade de travar uma guerra para impedir que Pequim use a força para criar essa "uma China" na prática.

O presidente Biden aumentou a confusão ao insistir em três ocasiões distintas que os EUA lutariam contra a China para proteger Taiwan, declaração que foi cuidadosamente evitada por ex-presidentes. Apesar das afirmações claras, representantes da Casa Branca tentaram proteger a ambiguidade estratégica de Washington, insistindo que Biden não mudou a política do país.

Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores chinês descreveu a visita de Pelosi a Taiwan como "maníaca, irresponsável e altamente irracional", antes que Pequim respondesse disparando mísseis balísticos no mar, uma demonstração de fúria frustrada digna de um autocrata norte-coreano.

A maior preocupação é que a visita de Pelosi tenha estabelecido novos precedentes. Os exercícios militares de fogo real da China em águas que Taiwan considera dentro de seu território tornarão muito mais prováveis provocações ainda maiores no futuro. Xi agora está mais propenso a usar o Congresso do Partido para estabelecer novos limites para Taiwan, os quais futuras autoridades americanas serão tentadas a testar.

Os EUA e a China não estão à beira de uma guerra. Ambos os governos reconhecem que, no mundo globalizado de hoje, não há Muro de Berlim para proteger a segurança e a prosperidade de um lado da potencial turbulência do outro. Ambos convivem com a ameaça de destruição econômica mutuamente assegurada.

Mas a viagem provocativa de Pelosi permite que os militares chineses ensaiem para uma futura guerra, bem como leva os líderes da China a salvar a honra ao traçar novas linhas vermelhas para Taiwan e levanta novas dúvidas sobre a estabilidade a longo prazo da economia taiwanesa.

A resposta beligerante de Pequim, por sua vez, encoraja os falcões da China em Washington a continuarem pressionando firme sobre Taiwan —sem um plano crível de resposta se um dia a pressão vai se transformar em ação.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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