Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia

Motim revelou que Putin é vulnerável num momento de virada na guerra

Se contraofensiva de Kiev avançar e Moscou tiver mais êxito em campo, líder russo pode se dispor a buscar acordo

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Vladimir Putin sobreviveu à contestação mais dramática e direta a seus 23 anos de reinado, e o oligarca mercenário Ievguêni Prigojin está em processo de ser desarmado.

A calma foi restaurada, pelo menos superficialmente. E, na Ucrânia, a guerra continua. Agora que a poeira assentou, será que a insurreição abortada na Rússia mudou alguma coisa? O que aprendemos?

O presidente russo, Vladimir Putin, durante videochamada com membros do governo no Kremlin, em Moscou
O presidente russo, Vladimir Putin, durante videochamada com membros do governo no Kremlin, em Moscou - Alexander Kazakov/Sputnik via Reuters

A insurreição nos recordou que o Exército russo é hábil em castigar alvos estacionários em campos de batalha e em se entrincheirar para defender território, mas está longe de constituir uma força de combate ágil, e seus líderes não reagem ao inesperado com rapidez e eficácia.

A artilharia russa continuou a fustigar edifícios na Ucrânia antes, durante e depois da insurreição de Prigojin. Mas a reação ao próprio motim foi inefetiva até que o próprio comboio do Grupo Wagner suspendeu seu avanço, faltando 300 quilômetros para chegar a Moscou.

Forças russas chegaram a disparar contra combatentes do grupo, mas praticamente não atrasaram em nada o avanço dos homens de Prigojin, mesmo depois de o Wagner ter derrubado múltiplos helicópteros russos e matado pelo menos uma dúzia de aviadores russos. Prigojin recuou apenas quando percebeu que não tinha aliados em Moscou dispostos a ajudar a abrir seu caminho para a capital.

Resta aos cidadãos russos perguntar como as tropas do Grupo Wagner puderam tomar o quartel militar de uma grande cidade sem disparar um único tiro e como puderam percorrer 600 quilômetros sem topar com oposição alguma. Putin com certeza também quer respostas.

No rescaldo do que aconteceu, o presidente russo também deve estar se perguntando o que estarão pensando de fato aqueles que o cercam em posições de autoridade. Tirando o discurso propagandístico sobre "unidade russa", Putin certamente deve querer saber até que ponto os soldados russos se solidarizam, se não com Prigojin pessoalmente, pelo menos com sua visão sobre o ministro da Defesa, Sergei Choigu, e seu chefe militar, general Valeri Gerasimov.

É muito possível que o motim tenha levado Putin a questionar até que ponto os soldados russos e mesmo seus oficiais de baixa patente estão comprometidos em levar esta guerra até o fim. Se ele não estiver preocupado com essas coisas, deveria estar.

Também está claro que, se surgir alguma ameaça futura a Putin, pessoalmente, ela não virá de um comboio que avança lentamente por uma rodovia sob o olhar atento de uma plateia mundial na internet.

O desafio, se vier, virá rapidamente e chegará de uma direção inesperada. Isso só vai acontecer se pessoas no topo da estrutura de poder da Rússia passarem a pensar que só conseguirão proteger o que possuem se afastarem Putin.

Não há nenhuma ameaça do tipo visível no horizonte. Putin parece ter iniciado um expurgo de altos funcionários que considera que não se colocaram a seu lado ou que poderão vir a fazê-lo. Mas ele nunca esteve tão vulnerável quanto está agora, especialmente se a Ucrânia conseguir mais vitórias no campo de batalha nos próximos meses.

Outra razão pela qual Putin está vulnerável: seus aliados no exterior não fizeram nada para ajudá-lo neste momento difícil. Sim, ele sabe que pode contar com o líder não muito soberano da Belarus, Alexandr Lukachenko, para seguir suas ordens, e é conveniente poder encarregá-lo de ficar de olho em Prigojin.

Mas o apoio de outros governos aliados tem estado ausente. O líder de outra ex-república soviética, Cazaquistão, fez pouco-caso do motim na Rússia, caracterizando-o como uma questão puramente interna. Isso chama a atenção especialmente porque, apenas no ano passado, a Rússia despachou milhares de tropas para proteger o presidente Kassim-Jomart Tokaiev contra seus próprios manifestantes. O líder turco, Recep Tayyip Erdogan, divulgou mensagem cordial de apoio e preocupação, mas pouco comentou além disso.

Mais importante ainda, a China de Xi Jinping se mostrou muito disposta a apoiar a Rússia enquanto as oportunidades lucrativas, como a chance de adquirir grandes volumes de óleo russo a preços favoráveis, superem em muito quaisquer custos de uma associação próxima com a invasão na Ucrânia. Xi não está correndo riscos importantes, como o de fornecer armamentos pesados à Rússia. Por isso mesmo, o isolamento de Putin está se aprofundando.

Mas há outra lição a ser tirada do motim e dos fatos que o seguiram, uma lição que deve encorajar aqueles que torcem por um fim negociado da Guerra da Ucrânia. Confrontado com uma crise existencial, Putin vai barganhar e fazer concessões.

O presidente russo já deixou claro que considera Prigojin culpado de traição à pátria e pessoal. Mas, por enquanto, pelo menos, o líder do Grupo Wagner não foi morto nem detido, provavelmente porque Putin sabe que ele goza da simpatia de um número desconhecido de pessoas, incluindo soldados, e porque persuadir seus mercenários a se alistar nas forças militares russas é importante para o futuro da guerra no mais longo prazo. Em outras palavras: por mais que Putin possa estar furioso, sua reação tem sido calculada, não insensata ou destrutiva.

Talvez isso indique que, se a contraofensiva ucraniana conquistar grandes avanços e ficar claro que a Rússia não conseguirá realizar muito mais no campo de batalha sem alistar russos em número suficiente para provocar turbulência real em casa, Putin pode se dispor a buscar um acordo.

A resposta de Putin também alivia os receios da Otan de que ele possa escalar a guerra em direções perigosas, usando uma arma nuclear tática, por exemplo. As escolhas pragmáticas feitas por ele em meio a uma insurreição que poderia haver desencadeado uma batalha com milhares de russos atirando uns contra os outros sugerem que, quando Putin é severamente testado, ele se dispõe a recuar e a priorizar a sobrevivência de seu regime e dele próprio.

Enquanto isso, a guerra permanece. A Ucrânia continua a intensificar sua contraofensiva em ritmo deliberado, e as tropas russas estão se preparando para serem mais castigadas.

Putin permanece firme no controle. Prigojin foi encurralado. O apoio ocidental à Ucrânia não diminuiu. É tentador sentir que pouco mudou. Mas, por baixo da superfície, a vulnerabilidade de Putin foi revelada. Este é um momento de virada para a guerra e para o futuro da Rússia.

Tradução de Clara Allain

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