Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Até que ponto derrotas, desafios e humilhações podem levar Putin a usar armas nucleares?

Risco é baixo, mas, considerando a importância do que está em jogo, não é baixo o suficiente

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A Rússia vai usar uma arma nuclear na Ucrânia? É uma pergunta que os serviços de inteligência ocidentais estão ponderando 24 horas por dia e líderes ocidentais vêm pesando cuidadosamente.

O presidente russo, Vladimir Putin, já avisou que a Rússia tem esse direito. Graças a isso, mesmo quando ele parece minimizar essa possibilidade, o risco de estarmos mais próximos de um confronto nuclear que em qualquer momento desde a Crise dos Mísseis, em Cuba, em 1962, torna-se uma realidade inescapável.

Soldado ucraniano carrega cápsula de projétil nos arredores de Bakhmut, no leste da Ucrânia
Soldado ucraniano carrega cápsula de projétil nos arredores de Bakhmut, no leste da Ucrânia - Bulent Kilic/AFP

Por um lado, Putin tem poucas opções boas para vencer sua guerra. Nos últimos nove meses suas forças demonstraram que são incapazes de alcançar os objetivos que seu líder delineou. As tropas russas não estavam adequadamente preparadas para este conflito, suas armas são velhas e defeituosas, os ucranianos resistiram de modo eficaz, o Ocidente armou e financiou o governo e as Forças Armadas da Ucrânia e, em consequência de tudo isso, a moral russa está baixa, fato que não surpreende.

As tropas russas podem ser capazes de defender parte do território que tomaram nas primeiras semanas da guerra, mas parecem incapazes de conquistar novos territórios. A Rússia pode infligir sofrimento ao povo ucraniano, mas não consegue derrotá-los em campo. Em suma, a Rússia não pode vencer a guerra que Putin lançou, e uma Ucrânia encorajada não vê motivos para fazer concessões.

No entanto, o discurso de Putin indica que suas metas maximalistas permanecem. Ele insiste que os EUA estão usando a Ucrânia para tolher a Rússia e que apenas a subjugação total da Ucrânia e sua reintegração numa "grande Rússia" será capaz de salvar seu país.

Não há nenhuma busca pública por um acordo de meio-termo, coisa que ninguém está propondo, de qualquer maneira. Além disso, há muitas vozes na mídia russa, incluindo de autoridades políticas e de militares, que ecoam a ameaça nuclear. Isso só é possível na Rússia porque o Kremlin o autoriza.

Não há dúvida de que o Kremlin está sentindo a pressão para mostrar resultados. Putin compreende que é muito mais fácil ganhar apoio em casa para sua guerra se esse apoio não exigir nenhum sacrifício do povo russo. E a capacidade da Rússia de absorver as primeiras ondas de pressão ocidental sobre sua economia pode ter encorajado Putin a pensar que poderia ganhar a guerra nesses termos.

De lá para cá, porém, a realidade se impôs. Embora Putin insista que a Rússia não está "em guerra", ele se viu obrigado a mobilizar mais 300 mil soldados para prevenir um colapso militar, e os russos veem claramente que muitos outros já deixaram o país para evitar terem que prestar serviço militar.

Putin pode esconder do povo russo o que está acontecendo na Ucrânia, mas não pode esconder o que está acontecendo na Rússia, e, sem sucessos a mostrar em sua "operação militar especial", suas opções para obrigar Ucrânia, Europa e EUA a recuar estão se esgotando. Em outras palavras, o líder da Rússia se encurralou num beco sem saída. Poderia o uso de uma arma nuclear lhe oferecer uma saída?

Putin já fez múltiplas ameaças vazias. Quando os governos de Finlândia e Suécia propuseram a entrada na Otan, autoridades russas alertaram para consequências catastróficas não especificadas. Os dois países solicitaram a adesão mesmo assim, dobrando de uma só vez a extensão da fronteira terrestre entre Rússia e Otan. A Rússia fez virtualmente nada em resposta, talvez por falta de opções efetivas.

Em resposta aos avanços ucranianos recentes contra tropas russas, Putin anunciou a anexação de quatro províncias ucranianas que incluem muito território que seus soldados não controlam e não têm como controlar. Ao insistir que esses territórios agora faziam parte da Rússia, ele declarou que qualquer continuação da guerra nessas áreas atrairia uma resposta militar russa enérgica.

A Ucrânia e seus apoiadores ocidentais imediatamente deixaram claro que não tinham a menor intenção de respeitar essas declarações e desafiaram a Rússia, continuando a guerra como antes. A Rússia tem lançado ataques de artilharia contra cidades e importantes alvos infraestruturais ucranianos, mas nenhuma dessas respostas fez muita diferença ao equilíbrio de poder no campo de batalha.

Quando navios russos no mar Negro foram atacados com drones, a Rússia revogou seu apoio a um acordo mediado por ONU e Turquia que permitia que grãos ucranianos fossem exportados para outros países. A ameaça implícita na revogação era que a Rússia poderia atacar os navios. O transporte de grãos continuou mesmo assim, e Putin, ciente de que atacar navios carregados de grãos com destino a pessoas famintas em outros países não servia para nada, novamente inverteu sua posição.

Até que ponto todas essas derrotas, desafios e humilhações podem levar Putin a cogitar o impensável?

Talvez a verdadeira "linha vermelha" de Putin (o limite do que ele pode aceitar) seja a divisa da Crimeia, território que os russos tomaram em 2014 e que foi incorporado à Rússia. Ou quem sabe o limite realmente intransponível virá quando os ucranianos retomarem a cidade de Kherson, a noroeste da Crimeia, porque o controle dessa província permitirá à Ucrânia restringir o acesso da Crimeia à água.

Os governos ocidentais tomaram nota do esforço que autoridades russas têm feito para alertar que a Ucrânia pode usar uma "bomba suja" para forçar uma retaliação ocidental avassaladora contra a Rússia.

Ninguém em Washington ou nas capitais europeias acredita que a Ucrânia vá usar uma arma radiológica contra sua própria população para induzi-la a atacar a Rússia, mas alguns setores temem que o Kremlin tenha divulgado essa história para que, no caso de a própria Rússia lançar mão de tal arma, suas chances de negar o fato no tribunal da opinião pública global sejam fortalecidas.

Outra pergunta: como o Ocidente reagiria se a Rússia de fato usasse uma bomba suja ou uma arma nuclear tática? Os próprios líderes políticos não o dizem, mas a maioria dos analistas militares bem informados teoriza que os EUA não responderiam lançando uma arma nuclear própria ou atacando território russo. Mas atacariam posições russas na Ucrânia, danificariam ou destruiriam a frota russa no mar Negro e acabariam com a guerra rapidamente de modo favorável à Ucrânia.

É com certeza essa a mensagem que Washington quer que o Kremlin ouça e considere.

Nesse cenário verdadeiramente pavoroso, o mundo ingressaria em território desconhecido. O risco seria muito maior que em 1962. Durante a Crise dos Mísseis, houve apenas uma baixa –o piloto de um avião de espionagem americano. Ninguém soube dessa morte até depois de a crise ter sido resolvida.

O cenário acima mencionado na Ucrânia deixaria milhares de soldados russos mortos e um exército e marinha russos profundamente enfraquecidos. Não é um cenário que ninguém no poder em Moscou, Washington ou Europa esteja disposto a ver se concretizar. No entanto, esse é o risco que o mundo enfrenta agora. Não há sinal de que a Rússia tenha alterado o nível de alerta de suas forças nucleares.

O risco é baixo, mas, considerando a importância do que está em jogo, não é baixo o suficiente.

Nas próximas semanas o inverno chegará à Ucrânia. Os combates vão diminuir. A guerra vai congelar, na maior parte. Mas esse fato vai apenas adiar uma análise cuidadosa do risco nuclear, algo com o qual vamos continuar a conviver por algum tempo ainda.

Tradução de Clara Allain  

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