Dilma Rousseff chegou sorridente à sede do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) em Xangai, pronta para liderar uma das poucas materializações concretas da parceria iniciada pelo Brics. Cercada de sorrisos e pompa, a ex-presidente desembarca na China cumprindo um desejo antigo de Lula: requalificar sua imagem em um posto internacional à altura de um dos principais quadros do PT.
O perfil burocrata e técnico de Dilma é de conhecimento geral para qualquer pessoa que tenha acompanhado de perto sua carreira em Brasília. Pouco afeita à articulação política, a ex-presidente era conhecida pela diligência que lhe será muito bem-vinda no NDB. Economista de carreira, ela também traz no currículo o fato de ter sido uma das principais articuladoras da criação do banco —a fundação, inclusive, foi anunciada em Fortaleza, durante a cúpula do Brics de 2014.
As ambições do NDB sempre foram muitas. Nunca foi pretensão substituir alternativas mais consolidadas como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento, mas o objetivo era claro: ajudar a financiar economias em desenvolvimento, sobretudo em infraestrutura e transição energética sustentável.
Críticas pipocaram tão logo começou a operar —economistas consideraram obscuros seus critérios para financiamento de projetos, enquanto salvaguardas sociais e ambientais não pareciam bem delimitadas—, mas o NDB caminhou. Regras de governança estão muito mais maduras hoje e, se Brasil e Índia ainda resistem à expansão do próprio Brics, ao menos no banco a chegada de novos membros foi bem-vinda: Egito, Bangladesh, Emirados Árabes e Uruguai se juntaram à instituição, e a expectativa é atrair em breve outras economias em desenvolvimento de relevância como Argentina, Tailândia, Nigéria e Turquia.
Os desafios de Dilma à frente do NDB, porém, não serão pequenos. Em agosto do ano passado, a Fitch, uma das principais agências de classificação de risco no mundo, rebaixou o grau de investimento do banco de AA+ para AA com perspectiva negativa. O movimento, bastante raro em instituições multilaterais, foi causado sobretudo pela Guerra da Ucrânia e as subsequentes sanções à Rússia.
No comunicado em que justifica a decisão, a Fitch diz que o NDB permanece dependente da emissão de títulos de longo prazo a taxas baixas nos EUA, repassando o custo de captação aos tomadores de empréstimos. Com as sanções, há dúvidas quanto à continuidade de acesso ao mercado de capitais americano, sobretudo porque a Rússia ainda mantém cerca de 20% do banco. Um potencial bloqueio comprometeria a liquidez dos ativos e colocaria em xeque a estrutura fiscal, o que também fez a Fitch reclassificar o risco estratégico de investimento no NDB de "moderado" para "alto".
No lado geopolítico, China e Rússia podem até ter se reaproximado a níveis históricos nos últimos anos, mas na outra ponta as relações entre Pequim e os indianos esfriou consideravelmente, especialmente após as disputas nas fronteiras que em 2020 e 2021 levaram a confrontos agressivos no vale de Galwan. Brasil e África do Sul também só agora começaram a se recuperar de uma instabilidade doméstica que por anos paralisou a agenda de cooperação e engavetou projetos de infraestrutura que poderiam muito bem ser financiados pelo NDB.
A imprensa brasileira pode até ter dado desnecessário destaque ao salário de Dilma à frente da instituição, mas será na delicada gestão destas barreiras até o fim do mandato em 2025 que precisaremos estar de olho. A tarefa de qualificar o banco do Brics em um cenário tão complicado será hercúlea, mas se tiver sucesso, Dilma certamente trará lastro de prestígio ao Brasil como um todo.
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