Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Brasil registra salto na percepção negativa em relação à China

Pesquisa mostra que índice de quem vê gigante asiático com reserva no país passou de 27% em 2019 para 48% agora

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O Pew Research Center divulgou nesta semana sua tradicional pesquisa sobre a percepção global da imagem da China. Parcialmente interrompido desde 2019 devido à Covid, o estudo mostra neste ano que o Brasil, junto à Índia, foi o país com o maior salto no percentual de pessoas que dizem ter uma opinião negativa sobre a China, partindo de 27% em 2019 para 48% dos 1.044 entrevistados em março e abril.

Trata-se da maior rejeição já registrada desde o início da série histórica —o Brasil passou a integrar a sondagem nos idos de 2010. A pesquisa apontou ainda que 56% dos brasileiros duvidam da capacidade do líder chinês, Xi Jinping, de tomar as "decisões certas" para o desenvolvimento e a paz no mundo.

O líder chinês, Xi Jinping, cumprimenta o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em Pequim
O líder chinês, Xi Jinping, cumprimenta o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em Pequim - Ricardo Stuckert - 14.abr.23/Presidência do Brasil via Reuters

O aumento segue a tendência global de crescente descontentamento com a China, observada em 16 dos 24 países analisados. No geral, 67% dos mais de 30 mil ouvidos disseram não ver o gigante asiático com bons olhos. A liderança entre os pessimistas é da Austrália (87%), seguida por Suécia (85%) e EUA (83%).

Há motivos para essa piora. Desde 2019, além das acusações de ter escondido a origem do coronavírus, a China lidou com uma cobertura jornalística que destacou a supressão de liberdades em Hong Kong, a perseguição a minorias étnico-religiosas em Xinjiang e o apoio silencioso à invasão russa da Ucrânia.

Tampouco ajuda o fato de que são os países ocidentais a controlar grande parte da máquina midiática global, o que, somado ao ainda enorme desconhecimento sobre a cultura, a política e a economia chinesas, contribui para um gradual sentimento de rejeição. Mas no Brasil o fenômeno não para aí.

Para os pesquisadores do Pew responsáveis pelo levantamento, os dados brutos das entrevistas parecem indicar um fenômeno até então inédito: a China pode estar se tornando parte da identidade política dos brasileiros e até de disputas domésticas. A maior evidência é que, segundo o think tank, 45% dos que dizem apoiar Lula também afirmam manter visões positivas sobre os chineses —já entre os que dizem se opor ao presidente e ao PT, o número cai para 36%, uma diferença estatisticamente considerável.

Esse pode, portanto, ser o resultado imediato de uma velada política xenofóbica promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Durante e depois da pior fase da pandemia, não era difícil encontrar nos jornais e nas redes sociais menções pouco elogiosas feitas por essa parcela do espectro político brasileiro.

Afinal, Bolsonaro foi o primeiro candidato à Presidência do Brasil da história a visitar a ilha de Taiwan, Eduardo Bolsonaro brigou publicamente com o embaixador chinês à época, Yang Wanming, e Roberto Jefferson, fiel escudeiro do ex-presidente, fez ameaças de morte explícitas ao diplomata chinês.

Considerando os dados do Pew, parece claro que a China, antes objeto de otimismo e curiosidade, pende agora para o limiar da rejeição na opinião pública brasileira. Os impactos dessa mudança de percepção podem ser profundos, com consequências que vão além da diplomacia e do comércio, afetando áreas como cooperação científica, investimentos em infraestrutura e intercâmbios culturais e educacionais.

Se quiser evitar que esses sentimentos prosperem, Pequim terá de agir. Embora o Brasil tenha muito a perder, o país é a principal porta de entrada da China na América Latina, região crucial para as ambições globais de Pequim. Uma sociedade civil hostil e uma relação enfraquecida são a receita perfeita para minar a influência e o soft power chinês não só entre os brasileiros, mas talvez em toda a região.

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