Começou a valer no início deste mês a nova Lei de Relações Exteriores da China, que abre uma nova fase no engajamento diplomático entre Pequim e o resto do mundo. Aprovado pelo Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional, o texto oficializa práticas controversas do governo chinês em resposta a relações cada vez mais tensas com o Ocidente e concede poderes mais amplos ao Partido Comunista.
Entre suas muitas cláusulas, a lei destaca o papel do partido e seu aparato na condução e regulamentação das relações exteriores, ampliando o escopo legal da legenda para responder a atividades que percebe como desestabilizadoras. Esse mandato expandido pode trazer consequências importantes, não apenas para empresas e instituições estrangeiras, mas também para indivíduos.
O texto dá à Comissão Central de Relações Exteriores, um órgão do partido, a competência exclusiva para formular políticas de relações exteriores e estende a várias entidades —incluindo cidadãos comuns— a "obrigação de salvaguardar a soberania, a segurança nacional, a dignidade e os interesses chineses".
O trecho foi criticado por observadores internacionais por abrir brechas para a ampliação da repressão. Em dado ponto, a lei oferece base legal para que a China adote medidas contra "atos que ponham em perigo sua soberania e segurança nacional, em violação do direito e das normas fundamentais que regem as relações internacionais".
Como o princípio de Uma Única China costuma ser classificado dentro das "normas fundamentais", argumentar pela independência de Taiwan passa a ser, em teoria, uma contravenção. Junto com a redação vaga do artigo 38, que abre base legal para impor sanções e prender estrangeiros em solo chinês por "perturbação da ordem social e atos beligerantes", esse raciocínio também se estenderia a não cidadãos.
Além disso, a nova lei coloca em suspeição tratados e acordos internacionais. O Artigo 31 sutilmente cria uma brecha para a China desistir de compromissos acordados se o partido considerar que os pactos em questão prejudicam "a soberania, a segurança nacional e os interesses públicos".
Pequim se apressou em negar que essa fosse uma resposta a qualquer país ou a uma medida específica. Em artigo publicado no Diário do Povo, Wang Yi, que dirige a Comissão Central de Relações Exteriores do PC Chinês, argumentou que a nova legislação funcionaria como uma "caixa de ferramentas" que permite à China se opor ao que chamou de "hegemonismo, unilateralismo, protecionismo e intimidação".
Segundo Wang, a ideia é manter "o atual sistema internacional sob a égide da ONU e do direito", refutando críticas de que o país estaria atuando como "potência revisionista". Mas faltou "combinar com os russos", ou neste caso, com outros porta-vozes mais aguerridos, como o jornal estatal Global Times, que se referiu múltiplas vezes ao arcabouço como um método de "dissuasão à hegemonia ocidental", linha argumentativa seguida por oficiais do governo e influencers nas redes sociais.
Na forma como está, o texto parece consagrar pela primeira vez a intenção de Xi Jinping de apresentar respaldo legal para medidas que possam legitimar ações unilaterais chinesas e resguardar o país daquelas interpretadas como violadoras de normas internacionais.
Ainda não se sabe como as disposições da lei serão interpretadas pelos chineses, mas o resto do mundo certamente precisará navegar em um novo cenário jurídico, agora mais desafiador. Entender como reagir e se adaptar a iniciativas do tipo ocupará boa parte dos esforços geopolíticos nas próximas décadas.
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