Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Lei que rege diplomacia abre nova fase nas relações exteriores da China

Resto do mundo precisará navegar em um novo cenário jurídico, agora ainda mais desafiador

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Começou a valer no início deste mês a nova Lei de Relações Exteriores da China, que abre uma nova fase no engajamento diplomático entre Pequim e o resto do mundo. Aprovado pelo Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional, o texto oficializa práticas controversas do governo chinês em resposta a relações cada vez mais tensas com o Ocidente e concede poderes mais amplos ao Partido Comunista.

Entre suas muitas cláusulas, a lei destaca o papel do partido e seu aparato na condução e regulamentação das relações exteriores, ampliando o escopo legal da legenda para responder a atividades que percebe como desestabilizadoras. Esse mandato expandido pode trazer consequências importantes, não apenas para empresas e instituições estrangeiras, mas também para indivíduos.

Wang Yi, diretor da Comissão Central de Relações Exteriores da China, durante encontro trilateral em Jacarta, na Indonésia
Wang Yi, diretor da Comissão Central de Relações Exteriores da China, durante encontro trilateral em Jacarta, na Indonésia - Ajeng Dinar Ulfiana - 1º.jul.23/Reuters

O texto dá à Comissão Central de Relações Exteriores, um órgão do partido, a competência exclusiva para formular políticas de relações exteriores e estende a várias entidades —incluindo cidadãos comuns— a "obrigação de salvaguardar a soberania, a segurança nacional, a dignidade e os interesses chineses".

O trecho foi criticado por observadores internacionais por abrir brechas para a ampliação da repressão. Em dado ponto, a lei oferece base legal para que a China adote medidas contra "atos que ponham em perigo sua soberania e segurança nacional, em violação do direito e das normas fundamentais que regem as relações internacionais".

Como o princípio de Uma Única China costuma ser classificado dentro das "normas fundamentais", argumentar pela independência de Taiwan passa a ser, em teoria, uma contravenção. Junto com a redação vaga do artigo 38, que abre base legal para impor sanções e prender estrangeiros em solo chinês por "perturbação da ordem social e atos beligerantes", esse raciocínio também se estenderia a não cidadãos.

Além disso, a nova lei coloca em suspeição tratados e acordos internacionais. O Artigo 31 sutilmente cria uma brecha para a China desistir de compromissos acordados se o partido considerar que os pactos em questão prejudicam "a soberania, a segurança nacional e os interesses públicos".

Pequim se apressou em negar que essa fosse uma resposta a qualquer país ou a uma medida específica. Em artigo publicado no Diário do Povo, Wang Yi, que dirige a Comissão Central de Relações Exteriores do PC Chinês, argumentou que a nova legislação funcionaria como uma "caixa de ferramentas" que permite à China se opor ao que chamou de "hegemonismo, unilateralismo, protecionismo e intimidação".

Segundo Wang, a ideia é manter "o atual sistema internacional sob a égide da ONU e do direito", refutando críticas de que o país estaria atuando como "potência revisionista". Mas faltou "combinar com os russos", ou neste caso, com outros porta-vozes mais aguerridos, como o jornal estatal Global Times, que se referiu múltiplas vezes ao arcabouço como um método de "dissuasão à hegemonia ocidental", linha argumentativa seguida por oficiais do governo e influencers nas redes sociais.

Na forma como está, o texto parece consagrar pela primeira vez a intenção de Xi Jinping de apresentar respaldo legal para medidas que possam legitimar ações unilaterais chinesas e resguardar o país daquelas interpretadas como violadoras de normas internacionais.

Ainda não se sabe como as disposições da lei serão interpretadas pelos chineses, mas o resto do mundo certamente precisará navegar em um novo cenário jurídico, agora mais desafiador. Entender como reagir e se adaptar a iniciativas do tipo ocupará boa parte dos esforços geopolíticos nas próximas décadas.

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