Há semanas, jornalistas, acadêmicos e observadores da China têm se ocupado de uma tarefa inglória: encontrar pistas do paradeiro de Qin Gang. O nome, pouco familiar para o leitor brasileiro, é do ministro chinês das Relações Exteriores. Não faz muito tempo, ele recebeu seu homólogo americano, Antony Blinken, em Pequim, mas de repente sumiu da mídia e dos eventos públicos.
Ex-embaixador nos EUA, posto que ocupou por menos de dois anos e para o qual não tinha qualificação à altura de seus antecessores, Qin, 57, ascendeu com rapidez estelar e credenciais pessoais menos significativas do que se esperaria do Partido Comunista na era de Xi Jinping.
Jovem, o ministro ficou conhecido como porta-voz da chancelaria chinesa, respondendo a jornalistas estrangeiros com tiradas ácidas e provérbios enigmáticos. Foi ele quem inaugurou a era dos porta-vozes aguerridos, um sucesso em redes sociais como Douyin e Weibo em cortes com revides nacionalistas.
De lá, migrou para uma função menos glamorosa. Entre 2015 e 2018, liderou a diretoria de protocolo da pasta e se tornou responsável pela preparação de visitas de Estado de grandes líderes mundiais à China. Observadores especulam que foi esse o posto a chamar a atenção de Xi —seu trabalho teria agradado o líder chinês, com quem lidava com frequência para acertar detalhes dessas passagens.
Qin decolou. Foi promovido a vice-chanceler em 2018 e logo depois assumiu a embaixada em Washington. Ninguém entendeu à época, já que a China costuma conceder o posto a diplomatas de carreira com notória experiência e especialização em temas sino-americanos. Qin, porém, serviu pouco no exterior, em cargos de menor relevância, a maioria dos quais na embaixada em Londres e em missões da ONU.
É provável que Xi tenha lhe dado o posto como uma espécie de estágio antes de se tornar ministro. Após pouco tempo nos EUA, Qin partiu de volta para Pequim e, no início de 2023, virou o diplomata mais importante do país, substituindo Wang Yi, que chefiou o ministério chinês por quase uma década.
Seu desaparecimento é, assim, incomum para alguém numa função estratégica. Pequim limitou-se a dizer que ele estava doente, destacando Wang para substituí-lo em visitas importantes, como a da secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, e a do enviado de Joe Biden para assuntos do clima, John Kerry.
Nas rodas diplomáticas em Washington e Pequim, o rumor é o de que comissões disciplinares do partido teriam descoberto um caso extraconjugal com Fu Xiaotian, famosa jornalista de Hong Kong que, a despeito da origem não tão abastada, ostentava suas visitas frequentes a vários lugares do mundo a bordo de jatinhos particulares.
Traição e corrupção já derrubaram políticos poderosos na China, motivo pelo qual um escândalo do tipo soa bastante plausível. Nesta versão, o partido ainda estaria elaborando como gerenciar a crise de legitimidade quando o caso vier a público.
Intriga, porém, como o sumiço vem sendo tratado internamente. Em situações comuns, especular sobre o paradeiro de uma autoridade tão sênior seria o suficiente para censurar rapidamente o assunto nas mídias sociais e na imprensa. Internautas chineses, contudo, estão tão curiosos quanto observadores do Ocidente e, nos últimos dias, têm feito milhares de posts e vídeos sobre o tema.
Entrando na onda, o ex-editor do tabloide Global Times Hu Xijin usou a popular conta que mantém no Weibo para dizer que, às vezes, "quando todo mundo está preocupado com algo que não pode ser discutido em público, é porque o tema deve ser sensível demais ou tem de ser confidencial por um tempo".
Na tentativa de acalmar os ânimos, ele só deixou todo mundo mais curioso: onde está Qin Gang?
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