Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Bolsonaro desce o nível e se prepara para batalha do 2º semestre

Presidente apoia votação da segunda instância no STF para amaciar Congresso hostil

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Na semana passada, descrevi neste espaço como a falta de modos presidenciais começava a gerar incômodo institucional grande entre atores da ciranda política e econômica brasileira.

O presidente faz live e corta cabelo na hora em que deveria encontrar-se com o chanceler francês
O presidente faz live e corta cabelo na hora em que deveria encontrar-se com o chanceler francês - 29.jul.2019/Reprodução/Facebook Jair Messias Bolsonaro

Também ponderei que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tenderia a seguir esticando a corda, um movimento claro desde que o texto da reforma da Previdência passou em primeiro turno na Câmara, visando fidelizar sua base mais dura.

Por fim, dizia que tudo isso pode ser desagradável, mas que os que acalentam uma saída de cena do presidente deveriam colocar suas barbas de molho. Não há ainda uma recessão, e existe até a possibilidade de alguma melhoria, há o terço do eleitorado que apoia Bolsonaro e uma inapetência de articulação no Congresso.

De uma semana para cá, Bolsonaro não só continuou a esticar a corda. Ele a colocou no pescoço e segue brincando de balanço, com declarações tão agressivas e primárias que fizeram observadores externos duvidar do que estavam ouvindo.

Um dia é “cana para Greenwald”, noutro insinua-se que o americano encomendou e pagou o serviço dos hackers presos. Outra feita, disse saber "por vivência” que o pai do presidente da OAB foi morto por colegas de guerrilha, e a certidão de óbito oficial dizendo que a ditadura foi responsável é “balela”.

Em ambos os casos, Bolsonaro flerta com o crime de responsabilidade. Arroga-se presciência investigativa em um inquérito tocado por sua Polícia Federal e que envolve Sergio Moro no caso de Greenwald. Como se dizia numa gíria recente, significa.

O padrão repete-se no episódio da morte de Fernando Santa Cruz. Se sabe algo, Bolsonaro tem obrigação de falar, e o tinha desde que era deputado federal e dizia que ossada de preso político era coisa para cachorro se ocupar.

Isso tudo fora a desumanidade do comentário, de resto amplificada no comentário sobre o destino dos presos seviciados e decapitados de Altamira —aqui, as palavras do presidente tendem a agradar muitos, cortesia de anos de monopólio da gelatinosa moral esquerdista no debate sobre direitos humanos.

Não que algo vá acontecer, dado que as condições descritas no terceiro parágrafo deste texto se mantêm. Mas é possível antever um segundo semestre infernal para a governabilidade do país, e o desprezo do mandatário pela civilidade pode ajudar bastante a dificultar sua vida.

Antes de tudo, a realidade. Um exemplo: ao cancelar encontro com o poderoso chanceler da França, Jean Yves Le Drian, alegando problemas de agenda e surgindo fazendo uma live enquanto cortava o cabelo, Bolsonaro pode ter agradado a seus filhos e a outros seguidores mais oligofrênicos.

Mas o impacto do gesto, pelo que foi relatado por diplomatas, foi horrendo e pode ter impactos na tramitação do tão justamente celebrado acordo de livre-comércio do Mercosul com a União Europeia.

A Câmara e, depois, o Senado, deverão passar sem grandes traumas a mudança na Previdência. Só que aí a prioridade do governo se chama reforma tributária, e aí os deputados já têm um projeto prontinho para encaminhar à revelia dos desejos imperiais de Paulo Guedes. Embate certo, dada a vontade de boa parte do Parlamento de forçar agenda própria.

A vingar o que falam aqui e ali líderes, a verborragia tóxica de Bolsonaro pode ser punida com obstruções à sanha de decretos, medidas provisórias e projetos do Planalto. Aqui, é bom ir com calma, dado que há vários instrumentos de persuasão aplicáveis quando acabarem os recessos do Legislativo e do Judiciário.

Entre parlamentares, o velho e bom controle do torniquete de execução de emendas. Mas é do outro lado da praça, no Supremo Tribunal Federal, que reside um ás na manga de Bolsonaro.

Como relatam militares do governo, antes a principal fonte de objeção à ideia, o governo já se disse confortável a que o Supremo paute a revisão da prisão imediata após condenação em segunda instância. Tema que divide a corte, o procedimento foi instaurado em 2015 e é visto como um dos alicerces centrais da Operação Lava Jato. Deverá ser votado neste semestre, apesar de não estar oficialmente na pauta.

É impopular na base bolsonarista, certo? Sim, mas ela pode se divertir com as estridências outras do presidente, enquanto dois coelhos são amaciados para abate seletivo. Um é o Congresso, que cerrará fileiras majoritariamente pelo fim da prisão em segunda instância, o que pode azeitar o tom do diálogo com o Executivo.

O outro é Moro. Bolsonaro confidenciou a um importante deputado, poucas semanas após a revelação dos vazamentos do The Intercept, que estava irritado com a condução do caso pelo seu ministro da Justiça. E o disse em termos bolsonarianos, por assim dizer, associando os passos do ex-juiz a uma estratégia eleitoral visando o Planalto em 2022.

Já a eventual desqualificação do trabalho do ex-juiz, com uma soltura do ex-presidente Lula por revisão do Supremo, não é nem previsível, nem desejada pelo Planalto.

Mas ver derrubado um pilar da Lava Jato, na visão do presidente, pode ser um preço a pagar para auferir mais desgaste do ministro. Pode ocorrer exatamente o contrário, o reforço do discurso justiceiro de Moro, mas isso não parece entrar na conta do mandatário agora.

Como se vê, pode faltar emprego no país de Bolsonaro, mas não trabalho. Agosto promete.

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