O dia 8 de janeiro de 2023 ficará marcado em nossa história como um dos mais graves atentados à democracia brasileira. A invasão das sedes dos Três Poderes ilustrou um fenômeno para o qual já se alertava ao longo dos últimos anos: nossa democracia foi minada por dentro. O extremismo e o autoritarismo passaram a ocupar o interior das nossas instituições, tratadas com o mesmo desprezo que observamos durante os atentados ao Congresso, ao Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto.
Não há como negar que esta foi uma tragédia anunciada. Um conjunto de fatores precedeu o ápice da barbárie e o tornou não apenas viável como provável. Há exatos dois anos e um dia do ocorrido, o então presidente Jair Bolsonaro prometeu: "Se não tiver voto impresso em 2022, vamos ter problema pior que os EUA". O então ocupante do mais alto posto da República tentou descredibilizar livremente o processo eleitoral brasileiro e atacou os demais Poderes, mobilizando sua base de apoiadores, que, a todo momento, estava a postos para seguir as orientações, diretas ou não, do seu capitão.
Paralelamente, engrossando o caldo golpista, presenciamos uma avalanche de desinformação que, apesar dos árduos esforços empreendidos pelo Tribunal Superior Eleitoral e pela sociedade civil, não pôde ser contida. Narrativas antidemocráticas foram disseminadas nas mais diversas redes sociais, contribuindo para o clima de animosidade e insuflando reações cada vez mais violentas. Os acampamentos instalados nas imediações de quartéis do Exército são exemplos do potencial lesivo de tais narrativas, que, uma vez iniciadas no mundo online, passam a ter efeitos concretos no mundo real.
Enquanto isso, a omissão sintomática de algumas autoridades aliadas ao governo derrotado nas urnas permitiu que a corda se esticasse até romper. Ao mesmo tempo que nos choca, a leniência de agentes públicos das mais diversas instâncias do poder é sintoma do entranhamento do bolsonarismo na institucionalidade brasileira. Neste momento, é preciso deixar claro: a omissão pode e deve ser interpretada como cumplicidade.
As gravíssimas cenas do dia 8 de janeiro emitem alguns alertas para questões que precisam ser endereçadas. A primeira delas, e mais imediata, é a necessidade de apuração e responsabilização de todos os envolvidos nos atos antidemocráticos, incluindo os financiadores, incitadores, apoiadores e participantes in loco. A lei precisa prevalecer se quisermos ter a oportunidade de mudar o rumo e apontar para a consolidação democrática.
Para além disso, é preciso compreender e desarticular esse movimento de radicalização no Brasil —que, no plano da extrema direita, enxerga adversários como inimigos a remover do mapa. O risco democrático é real e a necessidade de pensarmos em uma forma de revitalizar a democracia e fortalecer as instituições é urgente. Nosso país está mais dividido do que nunca. É preciso desradicalizar essas pessoas —tarefa nada fácil, assim como dialogar com grupos insatisfeitos com os rumos das instituições e da política.
A democracia precisa voltar a ser um consenso e fortalecê-la requer compreender que ela é um processo constante de construção e de busca da realização dos direitos e deveres de todos.
Há uma máxima segundo a qual a democracia é o único regime político que torna legítimas demandas que pode vir a não atender. A insatisfação, portanto, é parte inerente ao seu funcionamento. Essa incompletude, no entanto, não pode jamais servir de desculpa para vocalizar tentativas de sua deslegitimação —ao contrário, a história demonstra que a democracia é o melhor caminho para o avanço de sociedades.
A sua defesa, portanto, precisa ser um exercício diário e rotineiro.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.