Ivan Marsiglia

Jornalista e bacharel em ciências sociais, Ivan Marsiglia é autor de “A Poeira dos Outros”.

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Ivan Marsiglia

Atire no mensageiro

Ao gosto de quem tuíta, mídia pode ser 'petista' ou 'lava-jateira', mas há quem queira silenciá-la

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“Talvez pegue uma cana aqui no Brasil.” A fala de Jair Bolsonaro dirigida a Glenn Greenwald, em entrevista no sábado (27), precedeu a semana de maior acirramento na guerra de versões entre as bolhas pró e contra a Lava Jato no Twitter. No centro da arena, a prisão pela Polícia Federal dos supostos hackers de Araraquara (SP) e os novos diálogos entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro revelados pela Vaza Jato.

A declaração de Bolsonaro, a mais grave ameaça feita por um Presidente da República a um jornalista desde a redemocratização, entrou como uma cunha na polarização que divide o país (e se expressa com virulência nas redes sociais) desde o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Gerou notas de repúdio da OAB e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, que tuitou: @abraji “Ao ameaçar de prisão um jornalista que publica informações que o desagradam, o presidente Bolsonaro promove e instiga graves agressões à liberdade de expressão. Sem jornalismo livre, as outras liberdades também morrerão. Chega de perseguição. #defendaojornalismo”

Nas disputas narrativas do jornalismo, o diabo mora na ênfase. No Brasil de hoje, no entanto, divergências passaram a se expressar na criminalização pura e simples do adversário, tornando o diálogo democrático improvável. A polarização se refletiu entre jornalistas que, de lados opostos, atiraram num mesmo mensageiro: a “mídia”.

O editor-executivo do The Intercept Brasil criticou a ênfase dada pelo programa dominical de jornalismo e entretenimento da Rede Globo: @demori “Matéria do Fantástico sobre o hacker preso: nenhuma palavra sobre Moro, sobre destruição de provas, sobre palestra secreta de Deltan para banqueiros. Nada. Zero. Continuam brigando com os fatos jornalísticos mais relevantes.”

Já o ex-editor das revistas Veja e Exame leu diferentemente: @jrguzzofatos “A mídia já deveria ter entendido que não vai anular os processos de Lula (e de ninguém) com esse Greenwald e os marginais que lhe passaram as gravações roubadas de Sérgio Moro —por patriotismo, dizem eles. Não tem um VAR. Não anula nem gol impedido na série C do Brasileirão.”

Enquanto isso, a liberdade de expressão é posta em questão no país.

Falência da notícia 

Na boataria que obscureceu o noticiário da última semana, o perfil de checagens do jornal O Estado de S. Paulo foi um dos que desmentiram, na sexta-feira (26), que o fundador do Intercept tivesse sofrido um infarto causado por uso de cocaína: @estadaoverifica “Onda de boatos sobre Glenn Greewald agora tem até falso infarto.”

No mesmo dia, o editor do canal bolsonarista @terca_livre, que espalhou a versão, defendeu-se: @allantercalivre “Ué, eu não estava mentindo, Globo?”, colando o link de reportagem do jornal O Globo, apesar de esta afirmar apenas que Greenwald submetera-se a um cateterismo dia 22, no Rio de Janeiro.

AI-13 revisitado

 Em meio à ofensiva federal contra os hackers, que teriam fornecido o material divulgado pela Vaza Jato, a famigerada portaria 666/2019, assinada por Sergio Moro no dia 26, foi inevitavelmente associada à possível intenção do governo de deportar sumariamente o jornalista americano. 

No dia seguinte, o perfil da BBC Brasil no Twitter já divulgava a reportagem da rede sobre a norma publicada pelo Ministério da Justiça: @bbcbrasil “Portaria 666: por que medida de Moro sobre expulsão de estrangeiros é inconstitucional na visão de especialistas.”

De pouco adiantou a negativa do ministro da Justiça de que a norma possa ser aplicada ao jornalista do Intercept: @SF_Moro “Isso não muda a generosidade da lei brasileira com imigrantes ou refugiados apenas impede o ingresso de pessoas suspeitas de envolvimento em condutas criminais gravíssimas e específicas. Não gosto do termo pessoa ‘perigosa’, mas é aquele utilizado pela lei ora regulada.”

No sábado (27), a colunista do Valor e comentarista da rádio CBN tuitou um fac-símile do Ato Institucional Nº 13, de 5 de setembro de 1969, que versava sobre o direito da ditadura de “banir do território nacional o brasileiro que, comprovadamente, se tornar inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança Nacional”.

@mcfernandes “Faz 50 anos, mas parece que foi ontem.”

Algum tipo de risco deve ter pressentido o casal Glenn Greenwald e David Miranda, que deu entrada —preventivamente, pelo que se sabe— em pedido de visto americano para seus dois filhos adotados no Brasil.

Concessão adiada pela administração Donald Trump, sem previsão de entrega, segundo reportou a colunista da Folha @monicabergamo “EUA retardam visto para filhos de Glenn Greenwald. O deputado Davi Miranda, pai das crianças e marido do jornalista, diz que ‘é uma crueldade’.”

Fogo cruzado

 A informação, divulgada pela PF, de que a ex-deputada e ex-candidata a vice-presidente na chapa PT-PC do B Manuela d’Ávila passou aos hackers o contato de Greenwald também foi alvo de tiroteio na plataforma.

De um lado, a economista @elenalaudau expressou desencanto: “Esse país está perdido. Ela foi candidata à VP. Meu Deus. Sabia do crime e não denunciou.”

Do outro, saiu em defesa de Manuela a deputada federal pelo PSOL-RJ @taliriapetroni “Manuela D’Ávila, como jornalista que é, agiu de forma ética e legítima para que as denúncias envolvendo autoridades brasileiras fossem levadas ao conhecimento público. Ela própria já colocou seu celular à disposição da PF com o objetivo de ajudar nas investigações.”

Ênfases à parte, se o interesse público justificava lá atrás os contínuos vazamentos da Operação Lava Jato, o mesmo pode ser dito dos diálogos que agora vêm à tona pela Vaza Jato. A realidade distorcida da política brasileira atual, no entanto, não favorece a coerência.

Silêncio eloquente 

Repercutiu com força no Twitter denúncia feita no sábado por indígenas da etnia Waiãpi de que um grupo de garimpeiros assassinou o cacique Emyra Waiãpi, de 68 anos. Os cantores Milton Nascimento e Caetano Veloso postaram vídeos cobrando providências das autoridades, cujo mutismo nas redes foi visto como conivente.

Já na tarde de domingo, o repórter da Folha e autor do livro "Os Fuzis e as Flechas" (Companhia das Letras, 2017) anotou: @rubensvalente “São 14:00 e as autoridades tuiteiras do Executivo nada dizem sobre a invasão garimpeira e o assassinato de liderança indígena Wajãpi no Amapá. Em certos casos silêncios estratégicos e esquecimentos oportunos falam mais do que cem lives de Facebook.”

Abismar-se na alegria

Do sempre interessante perfil da escritora, professora e crítica literária @noemijaffe no Twitter: “Como é bonita a expressão ‘abismar-se’, com o sentido de estar perplexo. Tornar-se um abismo, por-se num abismo em que os sentidos se deslocam e se transformam durante o torpor e a imensidão da queda.”

Do biógrafo, jornalista e doutorando em história pela Universidade do Porto @LiraNeto “Leitor pergunta como seguir saudável nesta maré de obscurantismo. Sugiro a sabotagem: ler literatura, assistir a bons filmes, frequentar exposições de arte, ir à roda de samba, dançar forró, amar. Cultivar subversiva alegria. Contra a pulsão de morte, só a anarquia da felicidade.”

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