Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Descrição de chapéu Rússia

Putin tem pesadelos com desintegração da Rússia e ameaças nas fronteiras

Em meio a demonstrações de força, líder russo é assombrado por temores típicos de países com heranças imperiais

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Por trás da projeção da imagem de um poderio militar recuperado nos últimos anos e de uma liderança envolta em assertividade, Vladimir Putin desenha estratégias assombrado por pesadelos típicos de país com heranças de tempos imperiais.

O Kremlin avalia administrar fronteiras com potenciais inimigos à espreita e teme, para a Rússia, maior nação do mundo em território, um cenário de colapso como o iugoslavo.

"E o trágico exemplo da Iugoslávia demonstra que se enfrentássemos o que ocorreu na Iugoslávia, levando em conta a mentalidade do povo russo, e não apenas russo, mas de todas as nações vivendo na Rússia, os confrontos seriam muito mais duros e sangrentos do que depois do colapso da Iugoslávia", declarou Putin, em dezembro, segundo a mídia de seu país.

Presidente russo, Vladimir Putin, preside reunião com membros do Conselho de Segurança, por meio de um link de vídeo em sua residência no estado de Novo-Ogaryovo, nos arredores de Moscou
Presidente russo, Vladimir Putin, preside reunião com membros do Conselho de Segurança, por meio de um link de vídeo em sua residência no estado de Novo-Ogaryovo, nos arredores de Moscou - Mikhail Klimentyev - 18.fev.22 / Sputnik


O Kremlin contemporâneo carrega legados dos antecessores império russo e URSS. Nos séculos 15 e 16, foram colocados em marcha processos de expansão territorial responsáveis por levar o poder czarista de paragens da Europa oriental ao Alasca.

Como resultado, um dos maiores impérios da história —fruto de expansão essencialmente terrestre, sem recorrer a navegações e a colônias ultramarinas, como fizeram britânicos e franceses.

O modus operandi dos czares assemelhava-se ao de austro-húngaros e de otomanos, apoiando-se na contiguidade territorial. Mas uma diferença fundamental modelou o destino desses três empreendimentos imperiais, vítimas de colapsos registrados ao longo da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).



Dos escombros da monarquia austro-húngara, emergiu uma diminuta Áustria, enquanto a ex-parceira Hungria testemunhou a perda de cerca de 70% de seu território histórico. Descendentes dos sultões viram suas fronteiras, antes em vários continentes, serem enxugadas para demarcar a Turquia pós-otomana.

No caso russo, meses após a queda do czarismo em 1917, eclodiu a revolução bolchevique e, na sequência, a guerra civil entre comandados de Lênin e defensores do antigo regime. Vitoriosos, os comunistas conseguiram praticamente recuperar as fronteiras do império, impedindo que o país sofresse o destino das significativas perdas territoriais dos herdeiros dos impérios austro-húngaro e otomano.

A URSS, portanto, manteve o gigantismo territorial da era czarista. E, mesmo com a desintegração soviética de 1991, a Rússia permanece como maior país do mundo, com 11 fusos horários e mais de 100 etnias, embora os russos eslavos correspondam a cerca de 80% de uma população que inclui minorias muçulmanas, budistas, entre outras.

Putin, no poder, tratou de esmagar separatismos, como na guerra da Tchetchênia, e ampliou controles sobre as regiões. Mas a preocupação com um "destino iugoslavo" sobrevive.

Outro fator a balizar a visão de Moscou: a percepção de que o gigantesco território, legado de tempos imperiais, estaria, do ponto de vista geopolítico, "encaixotado", com ameaças recentes ou históricas em suas fronteiras.

Na frente oeste, a sombra da Otan, aliança militar liderada pelos EUA. Ao sul, ameaças de grupos fundamentalistas muçulmanos, a partir do Cáucaso, do Oriente Médio e da Ásia Central. E, no extremo oriente, o Japão, rival de embate bélico em 1904-5, e a atual aliada China, mas com quem a URSS guerreou em 1969, por disputas fronteiriças.

A Rússia, com seu peso territorial e atômico, muitas vezes procura intimidar no tabuleiro global e aumentar cacife em negociações. Mas, nos corredores do Kremlin, respira-se o temor de renitentes desafios domésticos e internacionais.

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