Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Encarnação como bad boy tatuado foi o Alexandre Frota mais simpático

O diabo, quando fica velho, vira sacristão; ou se torna um deputado com número fabuloso de votos

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A mudança da mentalidade no Brasil em relação ao sexo foi grande nos últimos 40 anos. Nem sempre para o melhor.

A partir de 1981, a pornochanchada floresceu pela última vez, ao incluir sexo explícito, que fora então autorizado. Ela se destinava a um público popular. Associava comédia truculenta e erotismo franco, distanciando-se assim dos sinistros filmes pornográficos de hoje. Acredito que suas transas risonhas fizeram dela o produto cinematográfico brasileiro mais autêntico.

Não é para paladares requintados. Porém, se ultrapassamos o preconceito do mau gosto, descobrimos invenções com verdadeiro sentido do cinema, contrabandeadas pelo humor pesado. Saídas de um imaginário truculento, as pornochanchadas exibiam um número impressionante de variações sexuais de todos os tipos e gêneros. 

Para quem quiser descobrir, aconselho “Um Pistoleiro Chamado Papaco”, de Mário Vaz Filho (1986), fenomenal paródia do western spaghetti.

Muitos desses filmes tinham grande sucesso e nenhuma subvenção. Incidiram sobre a produção de um cinema autoral, feito por diretores de alto nível que marcaram a cinematografia no Brasil. 

Um deles é Neville D’Almeida. Seu “Matou a Família e Foi ao Cinema” (1991), por exemplo, atraía um público ávido por ver a nudez integral de Claudia Raia e de Alexandre Frota, mas também espectadores intelectualizados, curiosos para descobrir a retomada do mítico filme “marginal” com mesmo título de Julio Bressane (1969). Ou, por que não, pelos dois motivos.

O filme de Bressane é breve, abstrato, elíptico, seco e cerebral. O de Neville D’Almeida, bem mais longo, desdobra-se com largueza no colorido de cenas sensuais e líricas. Claudia Raia expõe nele a beleza deslumbrante de seus 25 anos. Há um prólogo, perfeito de um ponto de vista cinematográfico, centrado em Alexandre Frota. Muito comovedor é o episódio das duas colegiais apaixonadas uma pela outra.

Neville D’Almeida não fez ali pornochanchada. Mas deve à liberdade erótica que elas instauraram. A sensualidade intensa que concebeu tem ambições culturais e mantém um clima à Michel Foucault, forte na sua crítica às camisas de força sociais que aprisionam o desejo. Está no completo avesso do moralismo sob o qual vivemos. 

É significativo que uma de suas estrelas tenha sido o atual deputado Alexandre Frota.

frota aponta dedo e grita
O deputado Alexandre Frota (então no PSL) discute com o deputado Zeca Dirceu (PT) na Câmara - Pedro Ladeira/Folhapress

A biografia de Frota é fora do comum, com ascensões e quedas vertiginosas. Ele a narrou no livro “Identidade Frota” (2013), de Pedro Henrique Peixoto, com declarações no tom de franqueza que o caracteriza.

Frota ficou conhecido como ator das novelas da Globo, que são produtos pasteurizados, plastificados e cautelosos. Casou-se com Claudia Raia. Mas as drogas levaram-no ao fundo do poço. Transformou-se no bad boy tatuado, lançando memes obscenos e tornando-se atração de filmes pornográficos.

Creio que esse bad boy foi o Alexandre Frota mais simpático. Nessa encarnação, transgredia as normas do bom comportamento e horrorizava o pudor da classe média, provocando assim subversão nos parâmetros bem pensantes.

Depois, teve seu caminho para Damasco. Livrou-se das drogas e converteu-se a um moralismo rasteiro. 
Pode ser que haja sinceridade nisso. Mas como Frota possui a inteligência da esperteza, empregou essa metamorfose como instrumento político: uma coisa não impede a outra. Apoiou a Escola sem Partido, invadiu museu protestando contra o artista nu de uma performance. O diabo, quando fica velho, vira sacristão. Ou se torna um deputado com número fabuloso de votos.

Seu talento para estratagemas arrivistas é grande. Com o naufrágio de Bolsonaro, fez-se expulsar do PSL para ingressar no PSDB de Doria. A entrevista que deu no programa “Roda Viva” mostrou-o naquilo que se chama “papel de composição”. Com barba de patriarca. encarnou à perfeição o deputado de respeito. 

Foi, como sempre, direto nas respostas, sem hesitações nem volteios, o que inspira confiança. Assim, não negou ter atacado e caluniado muita gente, com o argumento de que são as regras do jogo eleitoral. Sua virada para o bem encontra limites no oportunismo.

A estratégia do governador de São Paulo é hoje ficar na moita, evitando atos polêmicos porque, de olho em 2022, deseja que esqueçamos o Bolsodoria. Frota ergue-se, então, como seu guerreiro valente, pronto para a investida. Pode tornar-se uma liderança ainda mais forte; quem sabe futuro prefeito de São Paulo?

O trágico, nessa tabela, é o projeto político que a sustenta: liberalismo imoral e moralismo obsceno.

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