"Parecia um boto se exibindo." Assim é retratado o presidente da Caixa Econômica Federal na piscina. Como escreveu Reinaldo Azevedo, o governo Bolsonaro é tão absurdo que lhe falta verossimilhança. O momento flipper talvez não passasse na análise desse roteiro de filme B que é o país. A frase relatada à Folha certamente sim: "Estou com vontade de você". Nem um ser mitológico, na água ou no escritório, pode falar de jeito tão nauseante.
É incrível Pedro Guimarães, pela ficha corrida escancarada na última semana, não ter sido denunciado antes. Durou três anos e meio, quase todo o mandato de Jair Bolsonaro, de quem é sorridente entusiasta, abaixo do radar da imprensa. Será? Uma colega de Brasília diz que alguns casos eram conhecidos, mas que não havia comprovação ou meio de contá-los. Nas vezes em que enfrentou jornalisticamente o boto, nada de abraços, apenas confrontação, ameaças de processos e grosserias em geral.
Se não era apenas pelos corredores da Caixa que corria a má fama, por que demorou tanto para o país saber mais sobre quem cuidava da maior instituição bancária pública da América Latina? Difícil precisar. A pressão eleitoral de agora talvez tenha ajudado. Caixas de pandora estão sendo abertas por todos os cantos do país, contra atuais e antigos governantes e políticos. É uma explicação razoável, afirma a colega, que apresenta, no entanto, hipótese mais plausível: alguém enfim teve coragem de denunciar, talvez prenunciando uma mudança de governo e uma chance menor de sofrer retaliação. Afinal, antes de uma história política, o episódio é o cotidiano de muitas trabalhadoras neste país de cabras-machos.
Segundo O Globo, o histórico de Guimarães é antigo, remonta a 2004. Tentou beijar uma funcionária na frente de várias pessoas durante uma festa de fim de ano do Santander, mas foi demitido pelo baixo desempenho profissional. Passou por outras instituições e chegou ao governo guindado por Paulo Guedes sem que seu comportamento tenha sido percebido. Ou, possibilidade ainda pior, talvez com o perfil de abusador tolerado. Uma trajetória facilmente detectável se a barra estivesse mais alta, como ocorre com outra frequência no exterior civilizado, seja no mundo corporativo seja no serviço público.
Lá e aqui a imprensa é apenas o último filtro.
Gangorra
Entre todas as baterias da grande mídia voltadas contra o governo Bolsonaro e suas inúmeras mazelas, a revelação sobre os assédios de Pedro Guimarães coube à coluna de Rodrigo Rangel, do Metrópoles. O site brasiliense, de propriedade do senador cassado e condenado Luiz Estevão, já é um dos mais lidos do país com menos de sete anos de estrada.
O portal tem um funcionamento curioso, transitando com desenvoltura tanto nos meandros políticos da capital federal como no universo mundano de celebridades e cliques. Isso explica saltar do mau jornalismo ao furo em poucos dias da semana passada: o site, tal como um tabloide britânico, invadiu a privacidade da atriz Klara Castanho (em texto despublicado logo depois com pedidos de desculpas do autor e da diretora-executiva), episódio de imensa repercussão negativa, para, 48 horas mais tarde, pôr no ar a paulada em Guimarães.
Duas reportagens tão díspares em torno de mulheres saindo da mesma Redação. Roteiro de filme B foge mesmo à lógica.
Drive to survive
Thiago Amparo comentou em sua coluna a manchete da Folha sobre a primeira queda na taxa de letalidade da polícia em oito anos, uma das conclusões do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A matança caiu 4%. Como números provam qualquer coisa, Eduardo Bolsonaro declarou que a explicação estava na maior quantidade de pessoas armadas, reforçando a falácia bolsonarista de faroeste importada dos EUA.
A violência caiu, na verdade, apenas na "Suécia" que existe dentro do país, segundo a descrição de Amparo (confesso que sou do tempo da Bélgica, a parte rica da Belíndia de Edmar Bacha). Entre os brancos, a queda da taxa foi de 31%. No "lado sírio", outra descrição sua, a letalidade da polícia contra os negros aumentou 5,8%. O que é mais notícia, a letalidade policial cair no geral ou aumentar contra a população negra? A perspectiva é importante neste país de racistas.
Talvez alguém tenha lido este último parágrafo e reclamado íntima ou abertamente que a vida está cada vez mais chata diante de tantas ponderações. Aí é recomendável a leitura de outra coluna da semana, a de Djamila Ribeiro, sobre o tricampeão Nelson Piquet ter chamado o heptacampeão Sir Lewis Hamilton de "neguinho", em uma entrevista do ano passado resgatada de alguma caverna pelas redes sociais.
Não há equivalência possível entre chatice e violência. O Brasil é um filme ruim.
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