José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Junho, 13, 23 e o inverno da mídia

Inelegibilidade de Bolsonaro encerra só um capítulo da desordem informativa

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Muito se falou de junho de 2013 neste junho de 2023, que termina com o afastamento legal de um de seus principais beneficiários, Jair Bolsonaro. Dez anos, entretempo de transformações importantes no país, na política, na economia, na sociedade. Em geral, para pior. Não começou naquele junho nem termina neste de agora, mas é razoável perceber o período como capítulo fundamental da grande desordem informativa que, muitos previram, iria ocorrer. Ninguém, porém, chegou perto de dimensionar a latitude do ocorrido.

Junho, há dez anos, além do tanto já discutido neste jornal e em outros veículos, foi um grande exame do então estado da mídia. "Miopia", de acordo com o diagnóstico de uma estudiosa do fenômeno, a socióloga Angela Alonso, autora de "Treze - A Política de Rua de Lula a Dilma" (Companhia das Letras). "A mídia, e a Folha não foi exceção, entendia a rua como um domínio da esquerda. Havia muitos sinais de que isso já não era mais verdade", diz a colunista de Política, recordando muitos eventos antecedentes às Jornadas de Junho, organizados sobretudo pela direita, subnotificados.

Alonso, em sua pesquisa, notou a chamada grande imprensa alheia à insatisfação que pipocava pelo país: do agronegócio a indígenas, de deslocados pelos grandes eventos esportivos que o país receberia a defensores da moral pública e privada. Registros de manifestações eram mais facilmente encontrados em diários locais, blogs e em conteúdos produzidos por ONGs. O despertador do gigante tocava havia tempo quando os jornais dos centros urbanos começaram a se incomodar com a molecada atrapalhando o tráfego. Como já abordado nesta coluna, a cobertura saiu do punitivismo exacerbado, concorrente à violência policial, para uma espécie de "conclamação, retórica anticorrupção e unanimemente antipetista", analisa Alonso.

O antipetismo aqui é chave. É decantada a aderência da mídia aos operadores jurídicos da Lava Jato, mas o namoro começou antes com o promotor tornado juiz Joaquim Barbosa, condutor do processo do mensalão contra o PT.

Barbosa era retratado como uma espécie de Batman, de capa preta, justiceiro, assim como Alexandre de Moraes, o atual promotor tornado juiz, é idealizado como xerife. Ficou famosa nos meios jurídicos uma foto publicada pela Folha com os procuradores da Lava Jato em uma pose estilo "Intocáveis". Eram apresentados aos leitores como o time produtor dos borbulhantes primeiros resultados da operação, enquanto advogados já anteviam problemas.

Um fusca azul visto de trás, faz uma curva fechada à direita, apesar da seta traseira assim como a mão do condutor indicarem que o carro vai entrar à esquerda. Na placa do carro lemos a palavra "Folha". O fundo é branco.
Carvall

Afirmar que o jornalismo não alimentou essa espetacularização é desonesto.

Já a Lava Jato contribuiu para a consolidação de uma mídia ativista, especialmente a de direita, que deu seus primeiros passos ou, a depender do caso, enfrentou o teste de estresse durante os movimentos de 2013. (Alonso comenta que as diversas retrospectivas ainda guardam o vício do olhar à esquerda: na Folha, conversa-se com responsáveis pelo Mídia Ninja, bem menos com os equivalentes do campo oposto.)

A onda de apoio a Sergio Moro e Deltan Dallagnol não se limitou aos novos protagonistas. Elementos da imprensa tradicional trocaram de roupa ou assumiram recalques antigos. Alguém se lembra da Jovem Pan que só tocava música sacra na Sexta-Feira Santa?

Novos e antigos abraçaram não apenas uma agenda conservadora, antipetista ou antipolítica, mas também um vício inerente à extrema-direita, a propagação de notícias falsas.

É nesse ambiente que fermenta a candidatura de um político profissional, integrante folclórico do baixo clero do Congresso tornado outsider, Bolsonaro. Na qual parte da mídia embarca com a crença de que valeria a pena engolir o conservadorismo de ocasião nos costumes em nome de um suposto liberalismo na economia. É inegável que a Folha e seus principais concorrentes não demoraram a se encantar com a sereia Paulo Guedes.

Não é desse ambiente que sai o antídoto da Lava Jato. A Vaza Jato, que altera não apenas os rumos da operação como também a paisagem política do país, é obra de um site independente, sem questões de financiamento, capitaneado por um jornalista estrangeiro de forte reputação, responsável por um dos grandes furos do jornalismo deste século, o caso Edward Snowden.

Será que os grampos que escancaram a promiscuidade entre procuradores e o magistrado de Curitiba teriam o mesmo e célere tratamento se caíssem antes em algum veículo da chamada mídia tradicional?

Junho de 2013 não inicia apenas a mania da antipolítica ou o assentamento do antipetismo. É o momento em que a recusa à imprensa profissional, antes bravata, se torna factível. Expoente dessa ojeriza, Bolsonaro se foi, mas o problema que representava continua.

Junho acabou, mas o inverno está apenas começando.

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