José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Ambientalismo cordial

Enquanto planeta arde, tolerância zero da Folha serve apenas ao mercado

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O Dia Mundial do Meio Ambiente foi celebrado pelos jornais na segunda-feira (5). Cadernos especiais nos impressos e seções dedicadas nos sites traziam noticiário específico produzido para a efeméride. Na Folha, entre os destaques, bioeconomia, araras e transição energética em ilha da Dinamarca. Tudo muito interessante, mas distante da pancadaria dos últimos dias em torno de terras indígenas, esvaziamento dos ministérios do setor pelo Congresso, mata atlântica e margem equatorial.

Editoriais também marcaram a data. Na Folha, os objetos de discussão foram o nó institucional criado em torno do marco temporal e o acordo entre Mercosul e União Europeia, com recomendação de consenso e diálogo. No britânico The Guardian, a opção foi reforçar a necessidade de manter o legado de Bruno Pereira e Dom Phillips, um ano após seus assassinatos na Amazônia. O diário, que tem conhecida posição ativista sobre o tema, reiterou que a vigilância precisa se dar "nas profundezas da floresta assim como em conselhos de empresas e Parlamentos pelo mundo".

Na quarta-feira (7), a Folha lançou um terceiro editorial sobre ambiente. Comentava o pacote de Marina Silva contra o desmatamento, oportuno e positivo, segundo o jornal, mas que precisa desarmar conflitos entre governo e Congresso para bem suceder. Registra não apenas o empenho de Lula 3 com uma de suas bandeiras de campanha, mas também a incongruência de lançar no mesmo dia um plano de auxílio a montadoras, com vago aceno ambiental.

São pertinentes as observações do jornal, não há muita saída fora da negociação. Governo e congressistas precisam chegar a bom termo, pois a questão está longe de ser doméstica quando incêndios no Canadá tornam Nova York a cidade com o pior ar do mundo por um dia; e, no seguinte, a fumaça já alcança a Noruega. Bravatas de nada adiantarão, há muitos conselhos e Parlamentos envolvidos, como bem pontua o Guardian.

Notável, no entanto, é o contraste desse posicionamento ponderado com aquele que a Folha apresenta no debate econômico, sobretudo os que afetam interesses do chamado mercado. No domingo (4), em editorial de Primeira Página, ferramenta extrema do jornal que Lula 3 enfrenta com frequência desde antes do segundo turno eleitoral, a Folha bateu forte no governo para, no fim, sopesar que "os desmandos econômicos não podem obscurecer o retorno à normalidade institucional". Algo semelhante foi dito por Persio Arida ao Valor Econômico em entrevista publicada no dia seguinte. Quase uma repetição do que foi declarado por Arminio Fraga uma semana antes.

Ilustração de 5 copos tulipa lado a lado, cada um tem o líquido em um tom, o primeiro é amarelo e o último é preto. É possível ler o código do sistema de cores CMYK de cada uma das cores dos líquidos na frente dos copos. O fundo é branco.
Carvall

A questão não está em ecoar as vozes do mercado, este é um jornal liberal, há coerência nisso. O problema está na veemência e nos termos da crítica, vista tantas vezes desde a assunção da gestão petista, não ser lançada também em questões vitais do ambientalismo. Até o tom dos editoriais é diferente, como se as premissas de preservação, justiça socioambiental e transição energética não fossem igualmente itens urgentes da ordem econômica, mas elucubrações positivas ou um tanto fanáticas.

O planeta queima, literalmente. A Folha poderia se revoltar com isso também, sem aguardar a emergência que um dia o mercado instalará.

O feminino de tênis

Não existia tênis feminino na Folha. Nem masculino. Nem futebol nem basquete de qualquer gênero. Existiam torneios femininos e masculinos das diversas modalidades, mas não esportes, porque estes não têm sexo. A ampliação da cobertura jornalística sobre a participação de mulheres no esporte era necessária e ocorre, mas o cuidado semântico se perdeu em nome da concisão.

Roland Garros proporcionou excepcional participação brasileira. Vindo do qualificatório, Thiago Wild venceu o número dois do mundo e chegou à terceira rodada, não sem antes ter que responder sobre denúncias de violência física e abuso moral feitas por sua ex-mulher. Na chave feminina, Beatriz Haddad Maia foi a primeira brasileira desde 1968 a alcançar uma semifinal de Grand Slam. No meio do caminho, no último domingo (4), entre um e outro, a Folha escolheu o homem.

Em uma edição impressa de espaço limitado, tônica da atual cobertura esportiva deste diário, foto e texto-legenda foram para Wild eliminado. À colega, restou o arremate: "...; já Bia Haddad avançou às oitavas". No site, a reportagem única daquela jornada também abria com ele; ela, a despeito do triunfo inédito, aparecia apenas após intertítulo, no fim do texto. Leitores espinafraram o jornal. Segundo um comentário, a Folha revelou, "de forma pouco sutil, o quanto de indiferença as mulheres ainda têm de superar para atingir a igualdade".

É por essas e por outras que esporte não deveria ter sexo. Tampouco o jornalismo.

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