A cena mais emblemática e inusitada até aqui desta surpreendente Tóquiovid-21 divide opiniões: o italiano Gianmarco Tamberi e o qatari Mutaz Essa Barshim empataram na disputa pelo ouro no salto em altura e acabaram por optar ficar cada um com uma medalha, como sabem a rara leitora e o raro leitor.
Ao pé da letra seguiram a utopia atribuída ao Barão de Coubertin: “O importante não é vencer, mas competir. E com dignidade”, ensinava o pedagogo e historiador francês.
Acontece que até o pé da letra não é mais aceito ao pé da letra na sociedade dos cliques e das polêmicas pelas polêmicas.
Se o importante não é vencer, ambos, amigos a ponto de o italiano ser grato ao qatari por tê-lo convencido a seguir no atletismo que pensou em abandonar, chutaram a escanteio a busca pela vitória e se contentaram em competir.
Estavam, afinal, satisfeitos, depois de atingirem a marca de 2m37. Entre a possibilidade de tentarem aumentar o desempenho no dia seguinte ou resolver a parada ali mesmo, optaram por se abraçar e comemorar juntos no lugar mais alto do pódio.
A maioria parece ter apoiado e se comovido com o gesto fraterno e altruísta dos dois amigos, cada um abrindo mão da glória individual.
Mas houve também muitos que não gostaram nada da decisão, exatamente por considerar que a máxima do Barão foi mais pelos ares que o salto dos atletas, exatamente porque eles se negaram a competir; não era importante vencer, dizem, mas levar a prova até o último capítulo, concorrer até o fim.
A polêmica corre o risco de ser levada para o campo ideológico: quem gostou da divisão é de esquerda, quem quer mais competição é de direita, ou quem aprovou é humanista, quem não é, egoísta, quando, de verdade, nem se trata disso —ou será que se trata?
E a tal da dignidade aludida pelo Barão, como é que fica? Alguém será capaz de dizer que o gesto da dupla foi indigno? Dá para discordar da atitude sem chegar a tal extremo?
Pelo sim, pelo não, a discussão traz luz, mérito de quaisquer divergências civilizadas.
Você tem todo o direito de saber como se posiciona o colunista a respeito e há de desconfiar de que ele aplaudiu o episódio. Pois desconfia com razão. Além de saudar o confronto de visões.
Surpresas na rede
Bola na rede é gol? Não! Bola na rede é ponto, e o vôlei olímpico masculino virou verdadeira caixinha de surpresas no Japão.
Quem diria que a Argentina eliminaria a Itália? Ou que a França desclassificaria a Polônia?
Daqui para frente, nas semifinais, não há mais surpresas possíveis nos confrontos entre Brasil e Rússia —sim, Rússia, porque, vamos combinar, essa história de tratar o país como Comitê Olímpico Russo é gambiarra bizarra, mesmo que ouvir Tchaikóvski seja melhor que ouvir o hino russo, assim como seria delicioso escutar as "Bachianas Brasileiras", de Villa-Lobos, no lugar do Virundum— e entre Argentina e França.
As finais do vôlei prometem ser só para quem tem muita paciência e coração blindado.
Olimpíadas na TV
Sempre se soube que quem fica vê melhor as Olimpíadas do que quem vai.
Quando é do outro lado do mundo, então, nem se fala. E nem se dorme.
Viver o horário japonês tem sido maratona quase perfeita, não fossem o frio que castiga São Paulo e a necessidade, nem sempre obedecida, de viver o dia seguinte —ou seria o anterior?
No mundo ideal, Olimpíadas e Copas do Mundo deveriam ser disputadas só na Europa, com fuso mais amigável.
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