Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

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Juliano Spyer

Igrejas vão à guerra

Vale tudo para virar o voto dos evangélicos que rejeitaram Bolsonaro no primeiro turno

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Igrejas partiram para a guerra. Elas têm acesso direto a milhares de fiéis, poder de coordenação para atuar ao mesmo tempo em larga escala e com capilaridade, e capacidade para "entrar na cabeça" das pessoas. E como não temos dados censitários recentes, é possível que o número de evangélicos esteja subestimado e que, por isso, a rejeição a Bolsonaro seja menor do que os institutos projetam. Estamos navegando no escuro.

Mas fiéis, em geral, já decidiram em quem votar. Aumentar a pressão sobre esses eleitores produz reações como a da evangélica maranhense que viralizou na semana passada dizendo: "Se vocês não gostam da esquerda, não recebam o dízimo da esquerda…" Dois pastores assembleianos comentaram, sobre essa ofensiva: "Tá bom, eu voto no Bolsonaro, mas minha mãe vota no Lula. E aí, eu vou excluir minha mãe da igreja? E outra coisa: como é que vão saber quem votou em quem?".

Jair Bolsonaro em culto na Câmara dos Deputados, em agosto - Pedro Ladeira/Folhapress

Bolsonaro nunca havia sido efetivamente combatido com argumentos religiosos até ser associado à maçonaria. A acusação pegou a campanha e os apoiadores do presidente desprevenidos. "Algumas pessoas que tinham convicção de votar em Bolsonaro estão migrando para o Lula," me contou um pastor assembleiano, eleitor de Bolsonaro, que pediu para não ser identificado.

O sociólogo da USP Renan William dos Santos explicou o motivo: "Nessa frente de batalha, dizer que Bolsonaro é genocida tem uma fração do efeito de acusá-lo de satanista, mesmo que isso não tenha nenhum fundamento".

Mérito para o deputado André Janones, que atua de maneira independente à campanha petista e sabe dialogar com pentecostais. Mas, em geral, está difícil mobilizar evangélicos para debater a eleição.

"As pessoas buscam na igreja um amparo espiritual, emocional e redes afetivas," explica a antropóloga Christina Vital da Cunha, da UERJ, "e como as campanhas, principalmente a de Bolsonaro, continuam promovendo o antagonismo, vige nesse ambiente um sentimento de cansaço".

Nas igrejas históricas, preferidas por fiéis de classe média e alta, o debate político saiu dos púlpitos, mas continua intenso pelo WhatsApp. "A campanha bolsonarista está escancarada nas falas diretas ou em grupos. Defensores de Lula são constrangidos quando se manifestam nesses ambientes privados," conta o historiador e teólogo batista André Reinke.

Por conta disso, Reinke percebe que um grupo novo de fiéis está se fortalecendo nas igrejas. "Eles criticam o argumento de que, para ser cristão, a pessoa deve votar nesse ou naquele candidato," diz.

Influenciadores evangélicos como o pastor Marcos Botelho, da igreja Presbiteriana, se posicionaram nessa linha. Em um vídeo recente, ele alertou: "Se você está sendo assediado na sua igreja, sofrendo bullying, sendo ridicularizado, dizendo que você não vai para o céu porque você não está alinhado com X ou Y, essa igreja deixou de ser uma luz, um sal, uma sinalização do reino de Deus e passou a ser um braço político… Isso é anátema. Isso é blasfêmia contra Deus, que falou que só ele pode ser o centro da adoração, o único que salva".

Mas front dessa guerra serão as igrejas das periferias. O grupo "outros pentecostais" aparece em expansão acelerada na projeção que a economista Fernanda de Negri, do Ipea, fez do crescimento de evangélicos no Brasil.

A antropóloga Jacqueline Teixeira, da UnB, explica que evangélicos têm grupos de WhatsApp separados para homens e mulheres e que as notícias associando Bolsonaro à maçonaria e a canibalismo não circulam com força nos grupos de mulheres. "O que mobiliza os grupos femininos continua a ser o tema da família. E o pânico em relação à violência contra as crianças tem muita força nesses grupos."

Um vídeo recente sobrepõe uma fala do ex-presidente Lula sobre o aborto à imagem por ultrassom de um feto sendo abortado. Em outro, a ex-ministra Damares Alves associa votar na esquerda a ser conivente com o tráfico de seres humanos e o estupro de bebês.

A maior rejeição a Bolsonaro está entre mulheres evangélicas. Não é por acaso que o jogo está bruto nesse território.

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