Karla Monteiro

Jornalista e escritora, publicou os livros "Karmatopia: Uma Viagem à Índia", ​"Sob Pressão: A Rotina de Guerra de um Médico Brasileiro" (com Marcio Maranhão) e "Samuel Wainer: O Homem que Estava Lá​"

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Moro é o novo Collor da imprensa

Simpatia da mídia por Moro lembra campanha de Collor narrada no livro "Notícias do Planalto"

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"De novo, um ar de janismo remoçado. De novo, a ideia de um salvador da pátria." A frase é velha, mas veste como uma luva o admirável agora. Publicada originalmente nesta Folha —e reproduzida por Mário Sérgio Conti no seu "Notícias do Planalto", lançado em 1999— saiu da lavra do saudoso Clóvis Rossi (1943 – 2019).

Nos idos de 1989, Rossi estava encafifado com a atenção desmedida a Fernando Collor, o "caçador de marajás", onipresente na imprensa, celebrado como aquele que ia salvar o Brasil do lobisomem do pampas. Lula já estava no páreo. Quem botava medo, porém, era Leonel Brizola, o franco favorito até a campanha midiática deslanchar.

Ao que parece, Sergio Moro, o juiz que desvestiu a toga para estrelar o governo de Jair Bolsonaro, é o novo Fernando Collor. Um Collor baixinho, jeca, com voz de desenho animado, mas é o que temos para hoje. Segundo a comentarista da GloboNews Eliane Cantanhêde, Moro chegou para se encaixar no sonho da terceira via, ostentando a faixa de caçador de corruptos.

"Todos os movimentos conspiram a favor do Moro", contou uma animada Cantanhêde, ao falar de um café da manhã com o dito cujo. "O Moro tem uma bandeira, tem uma bandeira muita cara à sociedade brasileira. Nunca botou um preto, pobre na cadeia. Todo mundo que ele botou na cadeia é rico, poderoso, dono de grandes empresas."

Descontada a generosidade e imprecisões do comentário, Eliane Cantanhêde não deixa de ter razão. Parafraseando outro saudoso jornalista, Paulo Francis, o brasileiro é sobretudo o sujeito que gosta de chamar o outro de ladrão. De Jânio Quadros a Sergio Moro, passando por Fernando Collor, sobrevive o guerreiro espírito udenista. A UDN não larga o osso.

A imprensa colloriu

Em sua riquíssima obra, publicada pela Companhia das Letras, Mario Sergio Conti nos brinda com os bastidores da mídia no tumultuoso pleito de 1989, a primeira eleição direta para presidente da República em quase 30 anos. Adentrando as Redações dos principais veículos, o autor esmiúça os quês e porquês do fato: a imprensa "colloriu".

A coisa foi aos poucos, organicamente, num misto de jornalismo com descarada simpatia pelo jovem, bonito e rico governador de Alagoas.

Um Globo Repórter o apresentara ao país, ainda no começo do governo alagoano, empunhando o facão da moralidade no serviço público. A Veja dera, em 1988, uma capa ao seu estilo: "O caçador de Marajás". Verdade seja dita, segundo Conti, Folha e Jornal do Brasil mantiveram sempre equilíbrio na cobertura das estripulias de Collor.

Quando chegou 1989, ainda segundo a obra de Conti, Roberto Marinho entrou em pânico, procurando com lupa um candidato para chamar de seu, a terceira via. Logo que os nomes foram postos na rua, uma pesquisa do Ibope deu Leonel Brizola em primeiro lugar, com 19% das intenções de voto. Lula em segundo, com 16%. E Collor em terceiro, com 9%.

A briga do ex-governador do Rio com a Globo era publica e notória. Numa visita à sede da emissora, no Jardim Botânico, Collor inclusive achara graça de uma observação do doutor Roberto: "O Brizola esteve aqui uma meia dúzia de vezes, e nunca, como você, fez referência à beleza desta vista. Quem não tem sensibilidade para apreciar essa vista não tem sensibilidade para governar o Brasil".

Escolha difícil

Até declarar apoio ao candidato do nanico PRN, Roberto Marinho ciscara aqui e acolá. Cogitou apoiar Orestes Quércia, Mário Covas e, pasmem, Jânio Quadros, que nem chegaria a formalizar a candidatura. De acordo com Conti, considerava Jânio "um candidato em condições de derrotar Brizola".

Jânio, não custaria lembrar, era figurinha repetida. Nas eleições de 1960, Carlos Lacerda, que por anos a fio fora unha e carne com Roberto Marinho, tirara-o da cartola, cansado, como declararia mais tarde, de "derrotas gloriosas". A escolha do nome que a UDN apoiaria levou outro prócere do partido, o mineiro Magalhães Pinto, obrigado a engolir a vassoura, a suspirar: "O Jânio é a UDN de porre".

No esforço para emplacar, de novo, o instável Jânio Quadros, que renunciara sete meses depois de assumir a Presidência, em agosto de 1961, o dono da Globo chegou a escrever duas notas para a Coluna do Swann: "Era um acontecimento. Em 15 anos como titular da coluna, Ricardo Boechat só recebeu quatro notas escritas por Roberto Marinho, contando estas duas", informa "Notícias do Planalto".

Em 4 de abril daquele 1989, finalmente, o homem se decidiu. O prenúncio da avalanche que viria, culminando na edição do debate final, já no segundo turno, entre Collor e Lula, manifestou-se em forma de editorial d’O Globo, intitulado "Convocação", escrito de próprio punho e assinado: Roberto Marinho.

Nas ufanistas linhas, advogava que os líderes do PMDB e do PFL optassem por um nome de consenso: ‘um candidato de renovação que não se enrede em manhas e combinações inaceitáveis. Um candidato que não fuja de temas controversos e não faça subterfúgio à suprema sabedoria política. Um candidato, afinal, com uma abordagem moderna e otimista dos problemas brasileiros, que devolva à nação o direito de sonhar com o futuro".

Conforme sua avaliação das mazelas nacionais, este sujeito oculto ofereceria à nação uma opção diante da escolha difícil: "Uma alternativa melhor que obrigá-la a escolher entre um projeto caudilhesco-populista e outro meramente contestatório". Ou seja: Brizola e Lula.

A propósito, era apenas jornalismo. Em entrevista à Veja, um mês depois da "Convocação", quando o alagoano já disparara nas pesquisas, Roberto Marinho garantiu: "A Globo não está apoiando Collor, está apenas noticiando os fatos relacionados com o candidato que está à frente".

Assim como Jânio Quadros fora a UDN de porre, Fernando Collor foi a UDN de jogging, Sérgio Moro parece ser a UDN fanha.

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