Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

É na figura do atleta que se materializam as tensões do seu tempo

O esporte não é bom nem ruim, ele é aquilo que se faz dele

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Esta semana fui surpreendida por uma mensagem de um leitor que me chegou via ombudsman. Dizia que eu tenho passado aflição em minhas publicações e deveria ser mais positiva. Isso porque o esporte é cultura e um tema que une a todos. Além disso, sendo eu uma psicóloga, deveria afirmar o lado positivo do esporte brasileiro, pois isso teria um efeito multiplicador.

Exigente, enfatizou que eu deveria enaltecer a abertura da Rio-2016, "um show, talvez o maior de todas, feito por brasileiros autênticos". "Até conseguimos realizar uma Olimpíada, apesar de tudo."

Desde que comecei a escrever neste espaço, há dois anos, essa foi a primeira vez que algo assim chegou a mim. Já vi meus textos circularem por listas, blogs, entre pessoas envolvidas diretamente com o esporte ou simplesmente fãs.

Escrevo sobre fatos desse universo a partir de uma referência, que são os atletas. Considero-os a razão de ser de um fenômeno que só se materializa pela habilidade de corpos trabalhados à exaustão para que cheguem próximo da perfeição. E isso os leva a serem considerados quase divinos, heróis de um imaginário contemporâneo. Ainda assim faço minhas as palavras de Parlebas, ao afirmar que o esporte não é bom nem ruim. Que ele é aquilo que se faz dele.

É a partir dessa perspectiva que respondo à mensagem. O esporte traz consigo as marcas do seu tempo. E é na figura do atleta que se materializam as tensões do seu tempo. Foi assim em 1936, com Jesse Owens levando Hitler a se retirar do estádio após cair por terra a superioridade germânica em quatro provas do atletismo.

Não menos icônico foi o pódio dos 200 metros no México em 1968 com Tommie Smith e John Carlos erguendo os punhos contra o racismo, gesto que lhes rendeu o banimento do Movimento Olímpico.

Não menos significativa foi a recusa dos atletas da NBA em jogar nesta última quarta-feira (26), em protesto contra o racismo que pouco ou nada cedeu desde que Smith e Carlos protestaram mais de meio século atrás.

Sim, o esporte tem o poder de trazer os holofotes para questões que parecem ser do campo da política. É assim que ele se afirma como um fenômeno social datado. Esse esporte que se manifesta como global tem o efeito multiplicador porque inspira a busca de valores que são acima de tudo humanos. E como tal imperfeitos, inacabados e não necessariamente positivos.

Entendo que vivemos um momento singular. Que gostaríamos todos de estar pelas ruas, em nossos ambientes de trabalho, cercados das pessoas que nos são tão caras. Desejamos mais do que tudo assistir nos ginásios, estádios ou pela TV às competições esportivas e experimentar todas as sensações que isso proporciona.

Mas, diferentemente dos negacionistas, e como psicóloga, olho ao redor e reconheço as limitações do mundo em que vivemos. E zelo pela segurança de todos que não podem viver em bolhas e são jogados nas arenas para enfrentarem os leões, mesmo que de mãos vazias.

Como já escrevi muitas outras vezes, o Brasil perdeu a oportunidade de colocar o esporte em lugar de destaque não apenas na Esplanada dos Ministérios, mas na pauta cotidiana.

Há muito pouco do que se orgulhar em ter sediado os Jogos Olímpicos, porque no balanço final restou muito mais passivo do que ativo. O Rio de Janeiro tem uma conta que não fechará num futuro próximo, a menos que a dívida gerada pelos Jogos seja de alguma forma perdoada. Isso, porém, não me faz deixar de acreditar que o esporte possa ser aquela utopia criada por Pierre de Coubertin. Uma linguagem universal, promotora de educação e paz. Sem negacionismo.

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