Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Ainda existem forças simbólicas atuando pela manutenção da Olimpíada

Organizadores e dirigentes vivem com a incerteza de um possível cancelamento

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Faltam menos de dois meses para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Enquanto atletas e comissões técnicas dedicam-se a lapidar detalhes para chegar ao Japão na melhor forma, organizadores e dirigentes ainda vivem com a incerteza de um possível cancelamento.

A pressão popular cresce diante da possibilidade de criação de uma “variante olímpica” da Covid-19. As bolhas não são perfeitas, e inúmeros casos mundo afora já provaram que a perfeição é a inimiga do possível.

Enquanto isso, seguem os preparativos daquele que é o maior evento esportivo do planeta. Realizado desde 1896, os Jogos Olímpicos da Era Moderna seguiram à risca, até antes desta edição em Tóquio, um calendário quadrienal, conforme a celebração da Antiguidade.

Na condição de potência simbólica, os Jogos têm provado que a competição é um entre inúmeros elementos que afirmam a necessidade de realização.

Como é sabido, os Jogos Olímpicos de 1916 não foram realizados por causa da Primeira Guerra Mundial. O mesmo aconteceu com os Jogos de 1940 e 1944, quando a Alemanha já recuava suas posições rumo à derrota na Segunda Guerra.

Em 1944, um ano olímpico, em dois campos de concentração foram realizadas edições de Jogos. Em espaços dedicados ao extermínio e ao terror, ocorreu o inusitado: prisioneiros, usando da energia que restava a seus corpos maltratados pelos nazistas (ou nacional-socialistas, como alguns preferem denominar o inominável), organizaram uma edição olímpica.

Adaptando as condições materiais do ambiente hostil em que tentavam sobreviver, promoveram uma celebração que nasceu para ser muito mais do que uma competição. E assim marcaram um calendário de tradição quadrienal. Os campos de Woldenberg e Gross Born, onde se encontravam prisioneiros poloneses, produziram a filatelia que registrou esse fato.

O campo de concentração de Woldenberg abrigava cerca de 7.000 prisioneiros. Ali havia um posto de correios, e a entrega de correspondência era efetuada duas vezes ao dia.

No campo de Gross Born, os Jogos foram realizados seguindo os mesmos rituais dos tempos de liberdade. Aos vencedores não foram distribuídos nem coroa de louros, nem medalhas de metal. Mas, símbolos foram feitos para representar algo, e alguns valem muito mais do que seu peso. Por isso as medalhas foram produzidas em papel, único material disponível naquele lugar desprezível, porém humanizado por uma celebração que deveria ser um patrimônio da humanidade. Na frente constava a imagem de um atleta usando uma coroa de oliveiras, com a inscrição "OLIMPIADA OBOZU OF II D 1944" (Jogos Olímpicos do Campo OF IID de Prisioneiros de Guerra, 1944) e os cinco aros olímpicos.

Esse caso, em específico, me faz compreender por que ainda não foi anunciado o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Enquanto as forças do capital se empenham em garantir a continuidade do espetáculo para que o caixa não feche no vermelho, há ainda as forças simbólicas atuando para a sua manutenção.

Mesmo diante de todas as transformações pelas quais passou o esporte ao longo dos últimos anos, é o imaginário heroico que permanece pulsante nessa competição tão particular chamada Jogos Olímpicos. O calendário quadrienal já não foi cumprido. O congraçamento entre os povos será reduzido ao encontro entre adversários no momento da competição. Por outro lado, o desejo da celebração permanece vivo.

Meu agradecimento ao colecionador Roberto Gesta, que guarda parte do material aqui descrito em seu acervo pessoal.

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