Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Não faz sentido repetir narrativas do futebol na análise de esportes olímpicos

Entender o que se passa nos Jogos implica na compreensão do campo simbólico em que estão inseridos

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Da mesma forma que os Jogos Olímpicos se repetem de quatro em quatro anos, vejo a reprise de alguns temas que insistem em acompanhar esse calendário.

Os erros, as derrotas e as “fraquezas” são seguidos de exaustivos debates sobre “o psicológico” dos atletas. Sem contar, é claro, a reprodução à exaustão de uma narrativa construída a partir da experiência da monocultura do futebol.

Jargões largamente utilizados dos campeonatos de várzea à Copa do Mundo são usados em análises e narrações de modalidades olímpicas. Impossível fazer sentido nesse outro contexto!

Marta se lamenta durante partida contra o Canadá, na qual brasileiras perderam nos pênaltis e foram eliminadas dos Jogos de Tóquio-2020
Marta se lamenta durante partida contra o Canadá, na qual brasileiras perderam nos pênaltis e foram eliminadas dos Jogos de Tóquio-2020 - Amr Abdallah Dalsh/Reuters

Jogos olímpicos são outro universo. Esportes olímpicos têm outra cultura. E isso implica na compreensão do campo simbólico no qual estão inseridos.

Repito a frase escrita dias atrás, “uma vez olímpico, sempre olímpico”, para afirmar que uma medalha de prata ou de bronze não representa derrota, tampouco resultado menor. Um atleta que vai aos Jogos Olímpicos conquista o título raro de Oly.

Medalha olímpica implica em título olímpico, principalmente para quem é campeão (medalha de ouro) e vice-campeão (medalha de prata). Talvez isso pouco importe para a monocultura do futebol, mas importa para o esporte olímpico.

Ao acompanhar as competições madrugada adentro, e não apenas pelos resumos, vejo, ainda que a distância, toda a sorte de emoções que um atleta vive ao perder uma disputa. Alguns têm a oportunidade de ir para a repescagem buscar uma medalha de bronze. Durante horas são obrigados a lidar com a elaboração dos erros e a se concentrar nas ações futuras. Como desprezar todo esse trabalho?

E mais. É preciso dizer com calma e carinho aos que perdem que ninguém precisa pedir desculpas pela derrota. Isso faz parte do jogo. E ali, naquele momento, estão os melhores do mundo para registrar uma marca em poucos minutos.

Muitos favoritos caíram, brasileiros e estrangeiros. Campeões mundiais e olímpicos, tops de rankings, grandes favoritos experimentaram o gosto amargo de não alcançar o pódio. E esse é o grande desafio: fazer ali o que já se fez bem em algum outro momento ou lugar, naquele exato instante. Nenhuma outra competição materializa tão bem o mito de Kairós. É a oportunidade que consagra ou que, indevidamente, soterra.

Sem contar a gangorra narrativa sobre o peso de uma medalha de prata. Para Rayssa, Rebeca ou Kelvin vale o ufanismo dourado. Para as eliminadas mulheres do futebol é conquista menor, é a falta do ouro que mais uma vez escapou. Custo a aceitar esse tipo de construção. Futebol olímpico não é o futebol cotidiano. E nunca esqueçam que elas começaram a jogar apenas em 1992. É nesse campo simbólico que ele precisa ser compreendido e significado. E ali as brasileiras já brilharam com duas pratas.

Passei os últimos 20 anos buscando contribuir para a discussão sobre saúde mental de atletas. Não surpreende essa demanda, porque os Jogos Olímpicos são um grande palco para a manifestação de diferentes reações ao resultado dos embates.

Enfatizei como nunca a importância de se compreender o contexto em que as conquistas e as derrotas são produzidas. E, acima de tudo, afirmei a necessidade de se respeitar os resultados.

Nenhum atleta precisa pedir desculpas por uma falha ou por um resultado adverso. Ninguém acerta sempre. Ninguém vence sempre. Quando isso for compreendido e noticiado com o respeito merecido, talvez outras Simones e Naomis não precisem expor ainda mais o seu sofrimento.

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