Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Aprovação de alunos será automática; lidemos com isso sem hipocrisia

A reprovação deverá ser a exceção da exceção, por mais obcecada que a escola possa ser pelo conteúdo

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Não há como evitar a tendência de aprovação automática dos alunos neste ano, tanto na rede pública quanto na privada, com a reabertura das escolas prevista em São Paulo para setembro, na melhor das hipóteses, e com apenas 35% dos estudantes.

Sem hipocrisia: dá para reprovar alguém com um ou dois meses de aulas presenciais? O secretário de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, em entrevista à Folha, disse que algumas prefeituras já tomaram essa decisão e que estudará implementar no estado a mesma regra, que vai se tornando inevitável com o tardar da retomada.

Não se pode, afinal, ele ponderou, culpar o estudante pelas adversidades impostas pela pandemia.

Também não existe a possibilidade, segundo ele, de se cancelar o ano letivo de 2020, apesar das enormes dificuldades do ensino remoto na rede pública, com parte dos estudantes completamente desconectada das aulas.

“Na rede pública haveria um colapso, nós não teríamos capacidade de absorver novos estudantes. A rede privada pode fazer isso, se quiser, conversando com os pais”, disse à coluna.

Pensemos, então, nas particulares. Em geral, os alunos têm mais estrutura em casa para estudar, com acesso a computadores e internet. O ensino remoto, contudo, não deixa de ser inferior ao presencial.

Fora isso, as crianças mais novas, já se sabe, pouco avançam com as aulas on-line. Na alfabetização, ninguém mais nega que o processo terá de começar praticamente do zero na reabertura. Ainda assim, qual é a chance de as escolas, pressionadas pela inadimplência e perda de alunos, proporem aos pais que se desconsidere um ano em que as mensalidades foram pagas no sacrifício?

A reprovação deverá ser a exceção da exceção, por mais obcecada que a escola possa ser pelo conteúdo. As provas, em geral, estão sendo dadas, mas é nítida a preocupação de que o aluno atinja a média para passar de ano. Se for mal, pode fazer a prova de novo e de novo.

E se, ainda assim, não conseguir tirar uma boa nota no isolamento, terá a chance de nova recuperação presencial. Tem como não ser assim?

Após seis meses trancados em casa, crianças e adolescentes enfrentarão uma volta imersas em álcool em gel, sufocadas pela máscara, sem pega-pega, futebol, playground, rodas de conversa. E, ao final de tudo, receber uma notícia de reprovação, enquanto a turma de amigos seguirá adiante, seria a pá de cal no impacto emocional da pandemia.

Convenhamos, a reprovação seria o contrário do acolhimento obrigatório para atravessar esta fase difícil. Será preciso passar de ano, com educadores, familiares e estudantes conscientes de que o conteúdo terá de ser recuperado ao longo do percurso escolar.

O secretário de Educação fala em ajustar o currículo até 2022, mas deve-se admitir que talvez seja necessário mais tempo. E aí temos o nó dos estudantes do ensino médio, especialmente os do 3º ano, que estão saindo da escola.

Por isso, criou-se, na rede pública, o projeto do 4º ano do ensino médio, optativo. Rossieli afirmou à coluna que, em setembro, abrirá consulta para medir o interesse dos estudantes e, então, avaliar quantas vagas poderá oferecer.

Disse acreditar que não haverá problemas em atender a todos os interessados, por um motivo perverso: a evasão escolar deixa vagas ociosas no ensino médio.

Diante dos efeitos socioeconômicos da pandemia, o aumento do abandono das escolas é temido, e a aprovação automática também se impõe como uma tentativa de frear essa tendência.

Em São Paulo, de acordo com o secretário de Educação, haverá um programa de busca ativa pelos alunos na retomada às escolas, e o governo tenta um financiamento do Banco Mundial para fornecer bolsas para os estudantes mais vulneráveis.

Se já é complicado chegar ao 3º do médio, é obviamente reduzida a probabilidade de que muitos jovens possam “se dar ao luxo” de estudar mais um ano em vez de correr atrás de dinheiro para ajudar a pagar comida e aluguel.

Fora isso, o 4º ano, na prática, será com os estudantes do 3º, e não em uma nova turma, que poderia, além de recuperar o conteúdo perdido em 2020, trabalhar mais com a preparação para o Enem. O abismo social, então, se impõe novamente entre os alunos desse “4º ano” e os que poderão pagar um cursinho pré-vestibular.

É hipócrita negar isso, da mesma forma que seria hipocrisia não admitir que essa iniciativa é melhor do que nada.

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