Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Lúcia Guimarães

Posse de Biden traz celebração, mas também pavor pelo que ocorreu nos últimos 4 anos

Há um medo abstrato e presente nos EUA que me fez tomar pequenas precauções como cidadã estrangeira

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Assim que Joe Biden acabou de prestar juramento na subitamente ensolarada manhã de Washington, os ruídos entraram pela janela que mantenho meio aberta no norte gelado de Manhattan, enquanto espero pela vacina que ele prometeu. Foram gritos, aplausos, buzinaço e até um breve panelaço a favor, como o que fazíamos toda noite no começo da quarentena.

Uma consulta informal pelo Twitter revelou que momentos diversos fizeram seguidores brasileiros se debulharem em lágrimas. Foi o vozeirão da Lady Gaga. Ou a posse histórica da Kamala Harris. Ou o som das palavras enunciadas pela tenra poeta Amanda Gorman. Sem contar o discurso de Joe Biden, que teima em detectar um fio de unidade nacional ao longo da história.

Minhas lágrimas, confesso, foram provocadas por uma memória, a da noite de 8 de novembro de 2016, cobrindo a apuração e a derrota de Hillary Clinton. Quando a bateria do celular acabou de madrugada, desci as escadas da estação do metrô e não consegui mais recarregar minha energia durante os últimos quatro anos.

Desde o dia 7 de novembro, quando os 65% de americanos que acreditam em aritmética e fatos conheceram o resultado da eleição de 2020, família e amigos do Brasil começaram a expressar alegria, alívio e esperança com o que consideram o fim de um pesadelo.

Mesmo antes da invasão do Capitólio, tinha inveja desses otimistas.

Não é possível viver e acompanhar por ofício os últimos quatro anos sem sentir pavor. Não é o medo presente e concreto que experimentei quando cheguei aqui, tomei o ônibus errado para levar uma criança de 5 anos ao zoológico do Bronx e observei em pânico cada vez que a porta se abria numa parada da vizinhança que lembrava o final de um bombardeio, mais as agulhas de seringas de crack.

Este medo passou quando Nova York emergiu da epidemia de drogas e se tornou a metrópole mais segura do país no século 21. Hoje é um medo abstrato e presente que me fez tomar pequenas precauções como cidadã estrangeira.

É um medo que não conhecia porque era uma criança quando os homens de uniforme verde oliva ocuparam o Rio de Janeiro. Mas também porque notícias terríveis eram abafadas, como a do jovem filho de uma família próxima que desapareceu e foi devolvido num caixão lacrado.

Não, os militares não sequestraram jovens americanos. Os militares americanos, na maioria, felizmente, sentem asco da depravação que assistimos nos últimos quatro anos. Se observamos as ameaças que esta mais antiga democracia constitucional sofreu, foi a burocracia institucional, bolsões de patriotas no funcionalismo público, nos tribunais, na caserna que empilharam os sacos de areia contra o tsunami fascista. Não foram os acovardados políticos eleitos no Legislativo que se arriscaram.

Há mais de quatro anos, escrevi que gritar “fascismo!” com a emergência de Donald Trump era pose esquerdista. Acertei tanto quanto quem previu que o MySpace dominaria as redes sociais neste século.

Joe Biden prometeu defender os americanos que não votaram nele, os americanos que depredaram o Congresso e pediram o enforcamento do vice-presidente Mike Pence. A melhor maneira de proteger os 74 milhões que votaram no criminoso Donald Trump é usar seu poder e já. Biden tem grande chance de perder a maioria legislativa em novembro de 2022. Não há tempo a perder.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.