Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Coronavírus

Nova York não pode se reimaginar sem resolver a questão da moradia

Se o trabalho remoto veio para ficar, a cidade, cuja receita depende de aluguéis comerciais, precisa enfrentar o futuro que já se anunciou

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Como será a Nova York pós-Covid? A pergunta começou a ser feita há um ano e meio, quando a cidade mais densa do país se tornou o epicentro da pandemia e enfrentou um êxodo de moradores, especialmente dos mais abastados.

A Covid-19 matou 34,3 mil residentes de Nova York e hoje, graças ao crescente índice de vacinação, o outono americano traz cenas de normalidade. Os transportes públicos estão cheios, a Broadway reabriu, ainda que com a trepidação causada pela variante delta, que já provocou o fechamento temporário de uma produção, o musical "Aladdin".

Se os turistas estrangeiros, importantes para a economia local, ainda não voltaram, um termômetro expressivo da recuperação é a indústria imobiliária. Nova York tem o aluguel mais caro do continente e é também a cidade com o maior número de inquilinos.

Horizonte de Manhattan ao nascer do sol, visto pelo 86º andar do Empire State Building, em Nova York
Horizonte de Manhattan ao nascer do sol, visto pelo 86º andar do Empire State Building, em Nova York - Angela Weiss - 3.abr.21/ AFP

O homem que deve se eleger prefeito em novembro tem um plano para amenizar a escassez de moradia para nova-iorquinos de baixa renda.

Eric Adams, um ex-policial e pequeno proprietário de imóveis, quer criar 25 mil unidades residenciais em hotéis que estão mal conservados e enfrentaram o esvaziamento durante a quarentena. Trata-se de um plano ambicioso e que pode esbarrar em obstáculos burocráticos, como a adaptação dos hotéis aos códigos de construção residencial do estado.

Nesta cidade de larga maioria de eleitores democratas, o alto preço da moradia e a influência dos grandes proprietários imobiliários são temas centrais do debate político.

O fato de a ilha de Manhattan abrigar dois grandes bairros de edifícios comerciais esvaziados pelo trabalho remoto, no centro e no sul, onde fica Wall Street, está no radar de políticos progressistas, que veem uma chance rara de combater a desigualdade histórica de moradia.

Uma cena recente ilustra o alto custo para conseguir um teto aqui, ainda que temporário. Em setembro, a polícia apreendeu sete vans estacionadas em Manhattan —elas eram oferecidas para hospedagem no site Airbnb, com diárias de US$ 97.

Adams será bem-vindo pelo lobby imobiliário, que foi generoso com sua campanha. Ele tem dito que se preocupa com o êxodo de nova-iorquinos afluentes, destacando que 65 mil residentes pagam 51% dos impostos municipais recolhidos.

Mas o ex-republicano que se elegeu registrado como democrata não é conhecido por evitar brigas e já voltou o olhar para um bairro afluente, hoje deserto com o sumiço de turistas, o histórico Soho.

O bairro que viveu uma explosão de butiques de marcas de luxo, no começo do século, tem um alto índice de lojas fechadas e escritórios vazios. Tem também uma poderosa associação de moradores combatendo planos já no papel de mudar leis de zoneamento para permitir a construção de prédios com quotas de apartamentos de preços subsidiados. É a reação comum, conhecida como “não no meu quintal”.

Se o trabalho remoto veio para ficar, com empresas adotando modelos híbridos, a cidade, cuja receita se tornou cada vez mais dependente de aluguéis comerciais, precisa enfrentar o futuro que já se anunciou.

Grande parte da população que não pode realizar trabalho remoto é de renda baixa ou média —entregadores, funcionários de transportes, autônomos de serviços de aplicativos. Nova York poderia evoluir para se tornar uma metrópole que atrai habitantes, não pela obrigação de trabalhar aqui, mas pelo desejo de morar na cidade. Sem resolver a questão da moradia, Nova York não pode se reimaginar.

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